Recomeço, Sicília, Sertão, Santana…

Crônicas

Por: Romero Azevedo*

Está disponível na plataforma de streaming Netflix desde o dia 21 de outubro a minissérie americana, 8 episódios, “Recomeço”. Um resumo do enredo diz: O roteiro é inspirado pelo livro de memórias From Scratch: A Memoir of Love, Sicily and Finding Home de Tembi Locke, que narra a história de Amy Wheeler (Zoe Saldaña), uma estudante americana que está fazendo intercâmbio na Itália. Quando Amy conhece Lino (Eugenio Mestranda), um chefe de cozinha siciliano, os dois se apaixonam imediatamente, a partir daí ela embarca em uma transformadora jornada de perda, resiliência e esperança que vai ultrapassar culturas e continentes. É um melodrama contemporâneo que às vezes roça o dramalhão, mas se recompõe rápido como aqueles boeings que de vez em quando tocam sem jeito a pista de pouso, mas logo corrigem a manobra e a aterrisagem se completa tranquila.

O elenco é entrosado e compõe bem acima da média cada um dos personagens da estória, a trilha sonora é outro destaque que inclui além de novas canções, antigos sucessos em novas roupagens de arranjo e orquestração dando um toque nostálgico pop como pede a narrativa dirigida a quatro mãos por Nzingha Stewart e Dennie Gordon.

As cenas externas gravadas em Florença são deslumbrantes e captam toda atmosfera de arte que impregna a cidade, berço do Renascimento.

Como numa homenagem ao filme “O Candelabro Italiano” de 1962, a minissérie tem cenas em que Amy e Lino passeiam pelas ruas de Florença a bordo de uma Vespa (lambreta) como o faziam Troy Donahue e Suzanne Pleshette no clássico citado.

A trama se desenrola no estilo que chamo de “montanha russa”, bem adequado ao formato série que tem de fisgar o espectador em cada capitulo e no final destes estimular a dar continuidade no capítulo seguinte.

Não vou entrar em detalhes para não estragar as surpresas que minissérie reserva para o espectador, apenas sugiro que troquem a pipoca por uma caixa de Kleenex pois com certeza vão precisar em muitos momentos.

Mas o ponto central que me motivou a escrever esse texto foi exatamente o último episódio, depois de muitas voltas e reviravoltas tocantes, a personagem Amy acaba voltando para a Sicília, terra do seu esposo Lino.

A Sicília, podemos dizer assim, em termos de costumes e tradições culturais, é como se fosse o sertão da Itália, a única diferença é que enquanto o médio sertão alagoano é banhado pelas águas do rio Ipanema, o “sertão” siciliano é banhado pelo Mediterrâneo.

O local onde Lino nasceu é um pequeno, porém encantador vilarejo, chamado Castelleone, cuja padroeira é a Senhora Santana!

Amy a princípio um pouco arredia com o lugar, totalmente diferente do Texas nos Estados Unidos onde nasceu e se criou, aos poucos vai descobrindo as riquezas ocultas ali, riquezas não materiais, como a solidariedade das pessoas, o amor que demonstram por ela e sua pequena filha Idalia, a lembrança afetiva que todos guardam do seu marido Lino.

A sogra Filomena a convida para participar da procissão da Senhora Santana, ela nem sabe o que é uma procissão, ritual católico ausente nos Estados Unidos, mas acaba aceitando o convite quando fica sabendo que a santa é padroeira das viúvas e dos avós.

A sequência da procissão é belíssima e o contato de Amy com a imagem da santa no centro da padiola carregada pelos fiéis é transformadora. Quase que como um milagre, Amy é arrebatada pela imagem da santa, pela fé dos moradores locais, por aquela liturgia que transcende os aspectos físicos e passa a compreender a importância daquilo tudo em sua vida, na vida do seu marido e da sua filha, decidindo estreitar o contato com a pequena Castelleone, dividindo a partir daquele momento sua vida entre os EUA e a Itália.

Essas cenas me trouxeram à memória minha querida avó Dorinha, mãe do meu pai José Francisco, o pioneiro do Cine Ipanema. Vovó era devota fervorosa da Senhora Santana e todos os domingos subia feliz com o seu esposo José a pequena ladeira da rua Rio Branco rumo a igreja matriz para mais uma missa celebrada pelo padre Bulhões (depois padre Cirilo). No mês de julho, especialmente no dia 26, a alegria se multiplicava naquele coração puro cheio de bondade e fé, era a festa da Senhora Santana e São Joaquim. Não vou esconder que neste capítulo final da bonita minissérie “Recomeço” eu usei a minha caixa de Kleenex, não pela história do filme em si, mas por essas cenas da procissão que me trouxeram de volta a lembrança dos meus queridos avós e da terra amada deles Santana do Ipanema, uma cidade que visitei a primeira vez em 1962, tinha 9 anos de idade, fomos meu irmão Rômulo e eu com a nossa mãe Wanda, papai não pode ir por motivo de trabalho, para conhecermos e ao mesmo tempo nos despedirmos da madrinha Quelé, Dona Clemencia irmã de vovó Dorinha, que se encontrava muito doente, mas infelizmente chegamos na cidade no dia do seu velório.

(Ainda lembro que compramos numa banca na porta do Cine Alvorada o álbum de figurinhas do filme “O Rei dos Reis”, épico bíblico dirigido por Nicholas Ray).

A ligação Sicília-Sertão pode parecer absurda para alguns, mas peço essa licença poética para unir esses dois universos tão distantes geograficamente, mas tão próximos religiosamente mormente sentimentalmente.

E viva a Senhora Santana!

Campina Grande, dezembro de 2022

*Romero Azevedo é jornalista; professor aposentado da UFCG; membro da Academia Paraibana de Cinema.

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