Havia gente que, independentemente dos tratados sociológicos e os seus conceitos, se presentificava na memória por gerações, a exemplo do mestre Hermídio. Por que a lenda superava a história, a Antropologia ainda não possuía respostas. E, porque você simbolizava em Santana do Ipanema a festa que se repetia todo ano, Feliz Natal mestre Hermídio Firmo, que figurava como símbolo do Natal em Santana desde a infância de Breno Accioly.
Diante de casa, hoje e sempre, o mistério da fé. Festa de Natal todo ano se repetia o mistério da fé. Nada se concluía se caso não houvesse o mistério da fé.
Aquele contista da loucura na rua dos lampiões apagados, nas ruas do Recife, lembrava-se do artesão preso à sua infância. Encaramujado Rodin sertanejo, e ele era ao mesmo tempo amplo quais afluentes que engordavam a bacia amazônica, casmurro em seu dom no interior de sua casa, artista cercado pelos mistérios de sua arte em madeira quais enigmáticas pirâmides representando a morte. Isto oculto na cabeça das crianças – à época de Breno Accioly – mestre Hermídio dando vida a bonecos inanimados.
Na escritura memorialística de Accioly, meros bonecos de madeira e mola, na casa do mestre Hermídio, criavam de repente vida, pulavam da memória à narrativa ressignificando personagens que lembravam contos de H. P. Lovecraft e Edgar Allan Poe, um misto da poesia de Ascenso Ferreira e Augusto dos Anjos. Santeiro Hermídio Firmo, vindo não sei de onde, firmou-se em Santana, repetindo a cada ano os mistérios da fé no presépio quando o Natal era festa na alma de crianças; presentificando na infância do povo e nas gerações vindouras imagens do eterno retorno tantas vezes requentado por Nietzsche.
Santana do Ipanema. Sertão. Marcado pelo ritmo do sino da lembrança, divisava-se fantástico parque coberto de inimagináveis cores. Alguém perguntava pra onde iam correndo tantas crianças. Seriam filhos de presépios do mestre Hermídio? Iam aos apertados abraços dos pais, os quais inimaginaram parque de arquitetura e de engenharia curiosas. Inusitados brinquedos, e eram muitos bonecos vivos; um deles, um besouro cujas asas mexiam-se iluminando a cidade. Naquele lugar mágico (a casa de Seu Hermídio), a vida no semiárido extraída das árvores, dos frutos e dos pássaros falava: Quem eles eram? De onde vieram? Aonde iam? Cheios de simbolismos, os galhos retorcidos e secos das árvores levavam as crianças e os pais ao presépio do mestre Hermídio, onde Santana do Ipanema era diferente ante os olhos pasmos das crianças e dos pais presentificando o menino Jesus, a virgem Maria, São José, a gruta, a manjedoura, as ovelhas e o boi, o galo e o burro, a estrela de Belém e os pastores, os reis Magos. Não foi recriada a roda-gigante tampouco a montanha-russa, carrosséis, o tiro ao alvo, as pescarias; as crianças descobriram um mundo mágico nos presépios de Seu Hermídio.
Accioly compôs em sua narrativa em prosa poética acerca da alma do povo de seu tempo. Espécie de Feliz Natal mestre Hermídio Firmo para que isto se perpetuasse por gerações. Porque sem alma quaisquer cidades não se sustentavam; alma associava-se ao pensamento, a sensibilidade, ao que afetava as relações sociais.
Mestre Hermídio capturou a alma do povo como artesão como Hegel demonstrou na “Fenomenologia do Espírito” o que representava a subjetividade. Os presépios do mestre Hermídio representavam em Santana o que Geist representava na obra de Hegel.
Tudo isso era como se Geist, após todos esses anos desde o milênio passado, se presentificasse revivendo o já vivido: Veja a manjedoura, é dezembro iluminado, agora há luz no estábulo; canta a canção de Natal; há luz na manjedoura, Jesus menino nasceu; ao nascer, Jesus recebe três visitantes ilustres, com três presentes reais; pinheiro plantado no Natal dá presentes o ano inteiro; no Natal, o grilo na palha louvou Jesus rei dos reis, cantou canção de Natal; há luz na manjedoura; Jesus menino nasceu.
M. Ricardo-Almeida
Feliz Natal mestre Hermídio Firmo
CrônicasPor M. Ricardo-Almeida 25/12/2021 - 23h 35min

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