A LONGA E SINUOSA ESTRADA

Crônicas

João Neto Félix Mendes

Uma Semana Antes

Hoje é o dia do show do eterno Beatle Paul Maccartney. Não deixa de ser um dia especial, afinal esse artista é fenômeno da música mundial. Continua influenciando, a despeito do tempo, tantas gerações. Não se pode negar! Foram eles, o primeiro grupo a se apresentar publicamente em estádios nos anos 60. Antes, os artistas se apresentavam em pequenos palcos de casas noturnas.
Nas pequenas cidades, os artistas apresentavam-se nos palcos dos cinemas, aproveitando o espaço criativamente. No Nordeste, Luiz Gonzaga, o velho “Lua” ousou, pois se apresentava em cima de carrocerias de caminhões por esse mundo afora. Assisti a um show dele na praça central de Santana, totalmente acústico. Imagine! O que seria dos grandes shows de hoje sem a ousadia desses artistas? Sem estrutura, tecnologias... O que valia mesmo era estar com o povo.
O Show de Paul foi um espetáculo! Nunca imaginei que um dia eu assistiria a um show desse artista. A globalização tem seus méritos! A música tem o poder mágico de adentrar nossa alma, se instalar, fazer abrigo, adormecer e despertar a qualquer momento. “Uma canção que faça despertar os homens e adormecer as crianças.”
Da última fase dos Beatles, nos anos 70, algumas canções são marcantes. A gente, às vezes, fica um tempo com uma música na cabeça por algum motivo. Eu estava andando com a canção “The Long and Winding Road” na cabeça há algum tempo. Embora não entendendo o sentido literal, a intuição nos assevera algum acerto pelo conhecimento de uma ou outra palavra.
Do momento do show, duas canções foram destaques; “Live & Let Die”, pelo espetáculo pirotécnico e “The Long and Winding Road”, por ser uma balada bonita, cuja letra nos lembra, frequentemente, dos caminhos desconhecidos que temos que enfrentar por algum motivo; recomeços, mudanças, traumas e perdas...

Dois Dias Antes

Seu Jorge tem como dom rezar pelas pessoas, entregando-as aos cuidados da Providência Divina. Nesse dia, suas orações foram, como de costume, pela saúde física e a entrega ao Espírito Santo contra os inimigos e toda espécie de mal. Não sabemos do dia de amanhã, portanto precisamos estar preparados para enfrentar as adversidades. Talvez seja necessário atravessar o vale das sombras a qualquer momento...

Um Dia Antes

O tema da missa dominical foi sobre a ofício do pastoreio. O bom pastor dá a vida por suas ovelhas. Quando uma ovelha se desgarra, seu pastor sai em sua defesa, enfrentando os perigos para salvá-la.

O Senhor é o meu Pastor, nada me faltará.
Deitar-me faz em verdes pastos,
guia-me mansamente às águas tranquilas;
Refrigera a minha alma,
guia-me pelas veredas da justiça por amor do seu nome,
Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte
não temeria mal algum, porque tu estás comigo,
a tua vara e o teu cajado me consolam;
Preparas uma mesa perante mim na presença dos meus inimigos,
unges a minha cabeça com óleo, o meu cálice transborda;
Certamente que a bondade e a misericórdia
me seguirão todos os dias de minha vida,
e habitarei na casa do Senhor por longos dias.

O dia “D”

“Navegar é preciso; viver não é preciso”. Esse pensamento do poeta Fernando Pessoa, por inúmeras vezes confundiu meus pensamentos. E, em muitos momentos, eu me dizia: por que viver não é preciso? Por que o poeta escreveu assim? O que ele quis dizer? Durante muito tempo fiquei sem resposta. A venda dos meus olhos permaneceu durante muito tempo. Qual o significado da palavra “preciso” nesse contexto? Habilmente o escritor escolheu a sutileza da ambiguidade, dificultando decifração imediata da sua ideia para leitores desavisados como eu. Até que um dia, vendo alguém comentando sobre essa mesma frase num programa de TV, eis que o mistério fora desvendado. A explicação supimba foi suficiente para lustrar pensamentos cimentados pela minha ignorância existencial.

Para se navegar é fundamental ter precisão nas coordenadas, haja vista as referências visíveis de onde se estar, serem mínimas e quase imperceptíveis ao senso comum. Viver não! Não há precisão no viver! Não temos nenhuma certeza de como serão os dias, os caminhos que serão trilhados ou como estarei amanhã. Tudo é tão incerto! Não raro, imaginamos que vai ocorrer tudo certo naquele dia e, de repente, tudo se desmantela. Muitas vezes, o que dar sentido à vida, dar razão à morte. O cotidiano pode nos confundir. Um dia estamos de um jeito, outro dia estamos de outro. “Nada do que foi será, de novo, do jeito que já foi um dia”. O Vento não é mais o mesmo. O brilho e o calor do sol agora é outro, diferente de ontem. Portanto, vivemos num mar de imprecisões. “Navegar é preciso; viver não é preciso”.

Qual foi o dia mais terrível da sua vida? Cada um de nós pode ter passado por um dia desses ou vários. Das sete vidas que temos, menos uma se foi. Quantas restam? “Tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu...” Naquele dia eu tinha certeza que eu iria atravessar, novamente, o vale das sombras. Lembrei-me das orações de Seu Jorge, do Salmo do Bom Pastor e tomei consciência da experiência apavorante que estava porvir: atravessar o vale das sombras. Aquele dia seria uma provação sem medidas. A difícil travessia exige paciência, obediência as regras de sobrevivência e confiança na Divina Providência. Nas estradas da vida experimentamos solidão e tristeza, mas precisamos seguir adiante.

Um ano depois

Tudo passa! Tanto as coisas boas, quanto as ruins. Ficam as lembranças e a sabedoria adquirida com as experiências vividas. No viver, nada é garantido, tudo é muito impreciso, só nos resta viver... Tudo advém da precisão...

A vida é uma grande estrada em que não importa muito seu final. O que conta mesmo é o que acontece durante o percurso; o que aprendemos e o quê de felicidade identificamos e vivemos. “Pelas sete vidas que pertencem a gente, pela grande estrada que nos atravessa, pelo céu tão claro em nossa paisagem, pela lua cheia que não é promessa, pelas nossos filhos voltando de viagem.” Na longa e sinuosa estrada da vida tudo se apresenta; belas paisagens e outros enigmas.

Muitas vezes escolhemos caminhos, outros se apresentam incontinênti. A cada escolha nos agarramos a uma coisas e, ao mesmo tempo, somos obrigados a largar outras. O resto depende de cada um... E cada um é cada um, sem comparações. Na estrada, importa mesmo é o caminho trilhado. Nas estradas da vida nunca estamos sozinhos. Sejamos firmes e inabaláveis como lajeiros fincados ao chão que nas suas entranhas guardam pequenas barrocas que acumulam água da chuva e servem aos passarinhos e aos bichos silvestres.


O texto tem citações de : Drummond, Fernando Pessoa, Milton Nacimento, Lulu Santos, Orlando Morais e a bíblia; salmo o Bom Pastor.

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