DUAS CALCINHAS

Crônicas

por Carlito Lima

Carlito Lima en la Plaza de La Revolución - Havana

O assunto da semana foi a recepção de um grupo organizado à blogueira cubana Yoani Sánchez, soltaram os cachorros em cima da moça, proibiram passar um documentário, coisa feia! O Senador Suplicy, patético e ridículo chamou a dissidente para briga. Há poucos anos atrás eu fui à Cuba, tive uma recepção não tão calorosa, alguma semelhança. Ao apanhar as malas na esteira soltaram os cachorros literalmente em mim farejando alguma coisa em minha mala de mão, lembrei-me de uma encomenda de um amigo para um cubano, tive que abrir a mala sob os olhares inquisidores dos guardas, felizmente eram três pacotes do saboroso café brasileiro para um diretor da televisão estatal cubana. Na hora de passar pela alfândega a jovem fardada até o pescoço fez um inquérito sobre minha visita, só relaxou quando provei ser participante da Feira Internacional de Livro de Havana para dar uma palestra. Quando mostrei meus livros, mudou o tratamento.

Fiquei hospedado no magnífico Hotel Meliá, muito luxo, só para turista, havia sido inaugurado recente por Fidel Castro. Ao me dirigir à Feira de Livro peguei um taxi, fiz amizade com Carlos, taxista muito simpático, boa conversa, politizado, era engenheiro químico aguardando emprego, entretanto, preferia ser motorista, as gorjetas dos turistas são disputadíssimas.

Depois de percorrer a Feira de Livro, impressionado com os preços de livros em Cuba, média de R$ 7,00 (reais), subvencionado pelo governo, fui à “Casa da Poesia” local da palestra, o auditório cheio, escritores e intelectuais latino-americanos, alguns europeus. A palestra teve o título e tema. “A Influência da Revolução Cubana de 1959 no Golpe de 1964 no Brasil”. Na plateia um senhor comentou com minha esposa, eu era corajoso discutir sobre aquele assunto em Cuba, ela se assustou. Falei 40 minutos, mais 20 minutos de debates, assim terminei a palestra: “Tengo la seguridad de que La América Latina unida e en liberdad de pensamientos tendrá un grande destino, estando desunidos continuaremos pequeñas repúblicas en las manos soberbas de los que piensan que mandan y goviernan el Mundo.” Fui aplaudido freneticamente, respondi algumas questões, intransigente em defesa da democracia e liberdade.

Fiz questão de conhecer o povo cubano, participei de um almoço na casa de um artista fidelíssimo a Fidel, amante da Revolução, ele tinha maior orgulho em não haver criança fora da escola, a saúde de Cuba, uma das melhores do mundo. Conversei com poetas, camareiras, escritores, garçons, muitos criticaram, com certo receio, a falta de liberdade, o salário único equivalente a U$ 30,00, não ter acesso aos bens de consumos modernos, como celular, internet. Uma amiga, poeta Carmen me confidenciou, só tinha direito a duas calcinhas por ano. Isso me comoveu.

Havana é uma linda cidade, patrimônio da humanidade, na época estavam sendo restaurados vários prédios bonitos em frente ao Molecón na praia da cidade. Conheci a belíssima praia de Varadero, água fria, só as turistas européias de topless mergulhavam. Deu vontade de entrar na água, faltou coragem ao brasileiro, nordestino. Enchi a cara de morritos no restaurante predileto de Hemingway. Fui assediado por vendedores, me ofereceram produtos cubanos, charutos e mulheres. Existe um costume institucional em Cuba, a carona, eles chamam “botella”, falei para o Carlos ter-me surpreendido com a solidariedade do povo dando carona, ele respondeu que a maioria era oferecimento carnal. Percebi no hotel, nos bares, um movimento intenso de garotas de programa. Disseram para Fidel Castro que as universitárias estavam se prostituindo, ele respondeu que não, eram as prostitutas que em Cuba estudavam na universidade. São apenas algumas vagas lembranças daquela semana em país socialista, maltratado por um cruel bloqueio econômico americano. Embora sejam parecidos com brasileiros, os cubanos têm a música no coração e no corpo, me decepcionei com a pobreza do regime, a tristeza da população e a falta de liberdade. Entretanto, Havana é uma bela cidade, pretendo um dia voltar, mesmo que seja apenas para presentear algumas calcinhas à amiga Carmen.

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