A ESTRATÉGIA FOI MUITO PUXADA

Crônicas

José Peixoto Noya

Iniciei minha vida na difícil “arte” de trabalhar, ainda pequeno (quando eu falo pequeno leia-se: novo), Entre 11 e 12 anos, já estava “passando” e recebendo telegramas em CW (telegrafia), no prédio onde ainda hoje funciona os Correios. Antigamente; Departamento dos Correios e Telégrafos – DCT. Fomos os primeiros moradores daquele prédio, a partir de 1954, ano de sua inauguração, pois meu pai – Darras Noya – era o “Agente Postal Telegráfico” em Santana. Traduzindo em miúdos, era o Chefe dos Correios em nossa cidade.

Os telegrafistas oficiais eram dois: meu pai e Virgílio Silva - ambos de Pão de Açúcar -, depois a família decetista foi aumentada, com a chegada do meu amigo João Pires de Morais, recém aprovado através de concurso ao cargo de telegrafista, e oriundo de Maceió.

Entusiasmado por que eu tinha aprendido telegrafia, meu pai aproveitou a oportunidade e fez uma prévia do que seria sua aposentadoria; teve mais tempo de freqüentar: o “bafo da onça”, de Zé Chagas, a sorveteria o Pingüim, de “Seu” Nozinho, capitaneada pelo seu filho Ialdo (Uada – de saudosa memória), o bar de Antônio de Marcelon; embaixo do hotel de D. Maria Sabão, a Sorveteria Maringá, o Bar do Tênis dirigido na época por Miguel da “Barriguda” – de saudosa memória -, entre tantos outros “escritórios” que não consigo lembrar (talvez Fernando, ou Remi com suas memórias pródigas). A relação dos “escritórios” não obedece a uma cronologia com relação a datas.

Disputávamos o aparelho Morse eu, e “Seu” Baby – pai de Homero e mais uns dez filhos (as)-, que exercia o cargo de Inspetor de Linhas telegráficas. Não era sua função “passar” telegramas, nem muito menos receber; mas havia aprendido a arte de telegrafar e não abria mão disto. E gostava de trabalhar.

O aparelho Morse era uma “máquina” de comunicação, que para se interligar com outra, necessitava de uma linha física. E, neste Brasil sempre falta verba para órgãos públicos, e naquela época não era diferente. Estas “linhas” se oxidavam e partiam-se, provocando uma interrupção nas comunicações. Daí existirem três guarda-fios na agência de Santana naquela época: Edson Sá (Neguinho), Ávio Damasceno e Zé Malta (Zé de Bené), estes dois últimos falecidos. Mas, quando isto ocorria, todos os funcionários (do sexo masculino, é bom acrescentar) partiam para o local do acidente. Aconteceu um que ainda está na minha memória, ocorrido entre Poço das Trincheiras e Maravilha. A “equipe” se preparou para a difícil missão. Neste dia foi “reforçada” com a presença dos seguintes voluntários: Darras Noya, Marcos “Cabroba” e Virgílio Silva, (todos de saudosa memória) que não tinham nada a ver com conserto de linhas de transmissão. “Só que, em um ponto, todos convergiam; cada um dos componentes portava um “bornal”, contendo o seguinte material: charque (o famoso Ceará), álcool, para fazer o fogo e assar o dito cujo, farinha, fósforo, e a “marvada” pinga; estes apetrechos” não eram para consertar a linha, era o material de “sobrevivência” do grupo!... Partiram, até Poço das Trincheiras num “jeep Guarassuma” ano 1954, aquele da frente alta, e que teve este apelido por que no ano de seu lançamento coincidiu com o aparecimento de um cardume gigantesco de um peixe chamado guarassuma, que apareceu nas águas do mar no Rio de Janeiro. De lá foram a pé, por baixo da “linha”; como disse anteriormente, era o fio do telégrafo. Depois de alguns “bons” minutos encontraram a razão do defeito. Era de fato o fio partido por oxidação.

Pararam embaixo de uma árvore, sentaram-se no chão para preparar a estratégia de como iriam sanar o problema. Entreolharam-se, com um misto de cansaço e outro de alegria, pois já poderiam abrir os “apetrechos”, armarem a barraca, e em seguida atacar a “merenda”. Não deu outra, cada um se encarregou de uma tarefa; sem que antes não “batizassem o santo”; Fogo aceso, pratos na mão, bem como o “combustível”; mandaram a ver. “Cabroba” era o encarregado de assar o “Ceará”, Neguinho de fazer o fogo, Ávio era quem cortava a matéria prima, Virgílio era quem abastecia os copos, Zé de Bené (Zé Malta) era responsável pela parte artística, pois gostava de cantar umas “cavernosas” bem antigas. Darras Noya, como era o Chefe; era só enrolando o bigode, e “chutando” a danada, além de contar “causos”.

Chegaram ali cedinho. Conversa vai, e também vêm, algumas músicas cavernosas na voz de Zé de Bené. Em outras palavras, era uma filial de algum bar de Santana. Só vieram perceber que já era tarde, quando notaram que o sol estava em posição de se “recolher”. Começaram a se indagar o motivo pelo qual estavam no mato, num dia normal da semana, e em plena farra. Foi quando alguém lembrou de que estavam ali com a finalidade de consertar a linha. Mas cadê aparecer um voluntário para subir no poste e “emendar” o fio? Não que eles não entendessem do assunto, ou que estivessem com medo de subir em postes. Negativo. O problema era que ninguém tinha mais pernas, nem tampouco “cabeça”, para arriscar uma bruta de uma queda. O estado etílico de cada “trabalhador” estava altíssimo. Confabularam por mais algum tempo, e chegaram à conclusão “oficial” de que, naquele dia, não daria mais tempo de fazer os “reparos”, pois ainda iriam retornar a pé, até a cidade de Poço das Trincheiras.

Dito e feito arrumaram os “apetrechos”, e partiram deixando a maior bagunça. Um deles reclamou da sujeira, mas foi advertido; amanhã estaremos de volta e limparemos tudo. Hoje não temos condições físicas, a estratégia foi muito puxada.

No outro dia, apenas Neguinho, o guarda-fios responsável por aquele trecho, retornou ao local do “sinistro”, tirando o defeito em apenas uma hora; coisa que o grupo não executou aquele serviço durante todo o dia. Finalmente as cidades de Maravilha e Ouro Branco poderiam enviar telegramas para o resto do mundo!...

É bom lembrar, que este grupo durante anos preparou muito destas estratégias, todas com muita alegria e harmonia. Com exceção de Neguinho, que continua entre nós, todos devem estar lá em cima “armando” mais uma para não perder a prática...

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