Na verdade era o "doutor" Joel Marques: um homem de estatura pequena. Magrinho. Cabelos lisos. Falante sobre os mais variados assuntos, deixava seus interlocutores perplexos. O seu aspecto físico sugeria ascendência espanhola. Imaginá-lo sem um livro na mão era quase impossível, como impossível era não ver por perto o seu cavalo, o seu meio de transporte entre a cidade e a sua fazenda, a Fazenda dos Coqueiros, na margem direita do Ipanema. Muitas vezes, ainda menino, vi o respeito e a admiração dispensados ao "Seu" Joel, por parte dos seus amigos. Um dia perguntei ao meu pai:
- Ele é doutor igual ao doutor Everaldo, o médico que cuidou do meu braço fraturado?
E ouvi:
- Não! Ele não é doutor desse tipo. Nem mesmo é doutor. É um homem muito inteligente e que exerce a função de advogado. Advogado prático: é um "rábula".
O nome me soou estranho e ainda ouvi:
- Existem poucos advogados por esta região. Advogado é aquele tipo de doutor que defende ou acusa as pessoas quando elas cometem crimes, está entendendo? Respondi afirmativamente ao meu pai. E ele continuou:
- Por isso a lei permite que homens muitos inteligentes (conhecedores das leis) possam exercer esse papel, eventualmente, pela carência de advogados. Mas "Seu" Joel é um homem extraordinário. Muitos advogados jovens já aprenderam muitas coisas com ele. Eu mesmo conheço alguns...
Fiquei a olhar para o meu pai e só então pude entender o porquê de um homem tão pequenino ser tão respeitado. Ato contínuo pensei num herói pequenino, "O Pequeno Polegar". Depois me lembrei dos "Liliputianos", a história de heróis minúsculos de um país longínquo e que já me havia sido contada pela minha mãe. E num ímpeto natural falei para o meu pai:
- Que coisas de importância ele fez?
Meu pai riu:
– Muitas! Téo lhe dirá...
Durante a noite procurei Téo, a velha empregada, pois meu pai sabia das minhas conversas com ela. Fui objetivo, dizendo-lhe que tinha a autorização do meu pai. Ela riu:
- Pois bem: "Seu" Joel é um grande advogado. Num tempo desse um homem, muito pobre, matou a sua mulher e o amante que ela tinha, exatamente na hora em que os dois safados estavam na cama.
Mostrei-me perplexo. Téo continuou:
- O homem era pobre. E "Seu" Joel foi defendê-lo, acho até que sem receber dinheiro. E lá, durante aquela encenação do advogado de acusação e dos "jurados", "Seu" Joel pediu licença ao Doutor-Juiz e " orientou " (ao ouvido) o seu constituinte, mesmo havendo feito uma boa defesa. Mas que diabos, o homem havia morto duas pessoas e o outro advogado não era tolo. Terminada a acusação e a defesa, o Doutor-Juiz caiu na tolice de perguntar se o homem ainda desejava dizer alguma coisa. O homem disse-lhe que sim. E na maior rapidez voltou-se para os "jurados" (todos homens) e falou:
- Votar contra mim é ter vocação para corno!
A confusão foi grande. O Doutor-Juiz se afobou. Mas não podia fazer mais nada. E ordenou que os " jurados" se retirassem para a sala onde decidiriam o destino do acusado.
Eu estava atento:
- E o resultado?
Téo deu um sorriso de malícia:
- Os "jurados" inocentaram aquele pobre homem que repetira, de público e num recurso extremo, a "orientação" do "Seu" Joel".
Gazeta de Alagoas-22.8.93
(*)Dr. Luiz Nogueira, natural de Pão de Açucar, porém Santanense por adoção, onde viveu toda sua adolescencia, é Médico aposentado do INSS, Acadêmico da Academia Maceioense de Letras com vários livros publicados.
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