ZÉ AMORIM

Contos

Por Luiz Nogueira Barros

Um homem prudente vale por dois...

Sempre que vinha à casa do meu pai costumava brincar comigo propondo-me advinhações. Antes, claro, me dizia que eu era inteligente. Todo prosa, eu gostava da atenção daquele amigo adulto, naquele tempo um jovem fiscal auxiliar da receita estadual, pois meu pai era o chefe da Coletoria. Naquele dia ele não foi diferente:

– Hoje a advinhação é um pouco mais difícil. Está pronto?

Claro que estou, respondi-lhe automaticamente. E ouvi:

– Pois bem: havia uma ponte que, de tão estreita somente permitia que por ela passasse um homem de cada vez. E por ela passaram dois homens, ao mesmo tempo. Como aconteceu?

Tomei-me de pânico, com a minha "inteligência" ameaçada. Zé Amorim me acalmou:

– Você tem o tempo que desejar para responder. Não tenho pressa.

Mas eu é que tinha pressa e lhe pedi apenas alguns minutos, após os quais fui objetivo:

– Um homem passou tendo outro sobre o ombro.

Zé Amorim riu e me afirmou que eu estava muito artificial, quase trapaceando. Irritei-me e lhe disse que muitas adivinhações eram cheias de trapaças. Um tanto sério ele me disse:

– Concordo. Mas o caso, agora, é de inteligência, lógica e criatividade. E só passou mesmo um único homem. Você terá que adivinhar que tipo de homem era esse. Veja que estou lhe adiantando alguma coisa. Muitas vezes um simples adjetivo resolve certas questões.

Não me contive:

– Não sei. E nunca advinharei.

Zé Amorim riu:

– Melhor responder assim do que trapacear.

E em seguida, solene, afirmou:

- Pois bem: pela ponte passou um homem prudente. E um homem prudente vale por dois !

Experimentei uma certa irritação e em seguida uma frustração. Zé Amorim me socorreu:

– Calma. Eu lhe falei em lógica, criatividade e possibilidade quando lhe coloquei a advinhação. Você não pode se afobar.

Ainda menino Zé Amorim havia encontrado no Padre Bulhões o apoio que lhe conduziria à vida adulta, cheia de realizações. Querido pela população haveria de se tornar vereador. Achando pouco, um tanto cansado, ainda fez provas para o ginásio, recém instalado. E lá estava ele em meio aos meninos, maioria filhos dos seus amigos de trabalho, e muitas vezes sendo objeto de brincadeiras. Mas jamais se abalava. Nas ruas desfilava na sua "fobica-29", de nome "Andorinha", cheio de garbo e elegância, usando ternos surrados e um chapéu que parecia ter duzentos anos de uso. Um dia surgiu-lhe a possibilidade de se tornar deputado estadual, mesmo com o risco de afrontar alguns poderosos. A formação ginasial, coisa impensável para muitos políticos naquele sertão dos anos 5O, dava distinção para Zé Amorim, notícias que me chegaram. eu já na capital.

Quando me mudei para a capital Zé Amorim ainda era vereador. Uma noite meu pai chegou em casa aparentando ansiedade e disse para a minha mãe:

– O Zé Amorim foi assassinado!

Antecipei-me ao espanto da minha mãe:

– Pai, aquele seu amigo que era fiscal e meu amigo do ginásio?

Meu pai confirmou que sim. E que, ao voltar de uma festa e atender, inocentemente, ao chamado de dois homens ele havia sido morto com três tiros, ao abrir a janela. O crime, dizia meu pai, parecia ter origem política. Não me contive. A lembrança da advinhação tomou conta de mim. E comecei a ouvir lá no fundo do tempo a voz do meu amigo:

- Um homem prudente vale por dois...vale por dois...vale por dois... vale por dois !...

Conto enviado por Roberval Noia

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