É LUZ, É NATAL!

Contos

Conto de Natal por Fabio Campos

Numa determinada noite como essa em que se comemorava a festa natalícia do menino Jesus, estacionou um carro à porta do hospital Doutor Arsênio Moreira em Santana do Ipanema. Dele seria retirada uma jovem em estado gestacional, já em adiantado trabalho de parto.

Vamos contar como isso começou, nove meses antes. O bairro Artur Morais, estava tomado por alunos da Escola Estadual Maria Laura Chagas de Assis. Iam de casa em casa distribuindo flores. Faziam acontecer um projeto, pelo dia internacional da mulher. Tudo sob a tutela do professor Cícero. Entre os alunos havia José Alexandre que há dias tentava se aproximar de Maria Cecília. Sua grande oportunidade chegara, ali morava a menina. Foi só aparecer à porta e ele ofereceu-lhes a flor, pelo dia das flores que enfeitam o mundo. Dona Luzia, mãe de Cecília não queria que sua filha namorasse aquele rapaz, obrigou-a entrar, batendo a porta na cara de Alexandre. Nada disse o rapaz, só queria entender por que a mãe de Cecília era contra o namoro.

E tinha Marcelo que era amigo de Alexandre. Moravam, um na Rua Delmiro Gouveia, o outro na rua da Poeira. Desde criança amigos. Amigos de irem pra o Ipanema caçar passarinhos, e também das festas de São Cristovão. O destino os separaria por dois anos, Marcelo foi morar com uma tia em Maceió, ficou lá até terminar o fundamental. Depois de volta a Santana do Ipanema e a mesma vida. Na capital alagoana aprenderia a gostar de coisas diferentes, uma delas era usar roupas pretas, passou a usar muitas peças de metais como adorno. Fez no deltóide do braço direito, uma pequena tatuagem de um ser estranho com um punhal entre os dentes; Passou a admirar as bandas de Rock, metal pesado. E dedicava-se horas a jogos de vídeo game, curtia andar de skate nas noites vaporosas de finais de semana, principalmente depois que a cidade ganhou pavimentação asfáltica. Marcelo namorava Mônica a irmã mais velha de Cecília. Trabalhava de balconista na Casa dos Parafusos e à noite estudava no Colégio Estadual Mileno Ferreira da Silva. Desse outro namoro Dona Luzia não era contra pelo contrário aprovava e botava gosto no relacionamento. Mônica era normalista, formanda daquele ano no Colégio Ernandes Brandão e Cecília assim com Marcelo fazia o ensino médio à noite no Mileno Ferreira.

Ainda era março a turma de Marcelo ganhou um passeio pra Penedo. E os casais de namorados fariam alguns conchavos e acabariam indo os quatro. Os namorados, um clandestino, e o outro com aprovação, iam indo. E aconteceu. Uma bela noite de um belo dia, do mês de maio, Alexandre chegou na Artur Morais e foi a casa de Cecília. Ela estava em casa ao quarto. Dona Luzia estranhou a visita, não era bem-vindo, de pé na porta se dispôs a ouvir o rapaz. Ele perguntou se podia entrar. Ela o permitiu, ainda que com muita estranheza. Lívido, determinado para o que amplamente havia ensaiado dizer, disse:

-Dona Luzia. Estou aqui pra dizer que quero casar com Cecília e que ela está grávida, vai ter um filho meu.

A mãe de Cecília, sentiu suas forças se esvaindo, principiou um escurecimento nas vistas, muito embora não foi ao desmaio. Acho que alimentada pela cólera que a invadiu, o sangue irrigado pra cabeça não deixou que acontecesse o passamento. Dona Luzia passou a dizer coisas sem nexo, não falava nada que tivesse sentido. A única coisa que disse, capaz de algo inteligível foi que seu esposo Ademar quando chegasse no dia seguinte iria tomar as providências. Ademar era vigilante da secretaria municipal de saúde. Dona Luzia, ainda naquela noite, de desgosto adoeceu, ficou de cama. Teria agravado o Diabetes, o colesterol alterado, e lhes tornou o problema com a pressão arterial alta. Seu Ademar sofreu um enfarto do miocárdio fulminante quando tomou conhecimento do sucedido.

Fazíamos gosto que essa história terminasse de outro jeito. Quem sabe assim: O vigilante tocando seu violão, na mais linda das noites do ano. Dona Luzia tão satisfeita da vida pelas filhas, experimentando os quitutes que ela própria fizera, e serviria a noite toda. Cecília daria à luz ao seu neto na Noite das Luzes. E os avós muito felizes, sugerindo que o nome da criança fosse o mesmo do pai de Dona Luzia, Manoel Messias. Uma árvore de natal, testemunharia a alegria, presentes seriam trocados. Um brinde com champanha a meia-noite. Dona Luzia recordaria que quando as meninas eram pequenas brigavam dizendo que só uma delas o pai levaria pro natal:

-Papai não vai levar você pro natal! Só eu...

-É não! Vai me levar sim, você não...

Como se natal você uma festa pra se ir. Pras meninas era como se o natal só acontecesse em um determinado local, talvez na praça. Talvez o natal fosse andar no carrossel, ir à missa, dormir tarde, coisa de criança. Marcelo confidenciaria a Alexandre que quando pequenos, sentia muita pena dele, pois sempre ia mostrar-lhe seu presente caro, vídeo game, bicicleta. Como era filho único, seus pais podiam lhe dar. Alexandre doze irmãos tinha, seus pais eram pobres, nada ganhava no natal. Dali daria pra ouvir os fogos de artifício estourando no céu estrelado da praça. Daria pra ouvir o coral de vozes das crianças, participando do recital da paróquia de São Cristovão. Marcelo e Alexandre dispensariam carícias as suas amadas, ao tempo que fariam muitas promessas de amor.

De volta à realidade vamos encontrar Maria Cecília, de entrada ao hospital, naquela noite, acompanhada apenas por Mônica e Marcelo. Sua mãe em casa, acamada, ruminando a infelicidade que garimpara. Alheou-se de tudo por puro desprezo ao acontecimento maior, na vida de sua filha, e a festa de maior júbilo dos corações fraternos. José Alexandre, fora embora morar em Arapiraca, há quatro meses arranjara um emprego. Pela primeira vez, não passaria natal em casa dos pais, em Santana do Ipanema. No cargo que exercia na fábrica de produtos de milho, não lhe deram folga. Maria Cecília dera à luz a seu filho próximo de meia-noite. Agora mesmo descansavam. O menino de olhinhos fechados dormia. Apesar de um silêncio quase imortal, dentro do hospital, naqueles corredores vazios, nos quatros frios, ali o milagre da luz. E é sempre natal.

Fabio Campos 22/12/2010 É Professor em S. do Ipanema-AL.

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