MARIA BONITA

Crônicas

Carlito Lima

A FAZENDA

Maria nasceu lá para as bandas de São José da Tapera, sertão nordestino. Seus pais tiveram seis filhos em oito anos. Maria, a segunda, ajudou na criação dos irmãos. João, o pai, analfabeto, valente, destemido, era proprietário de uma fazendola, minifúndio muito bem administrado por ele e a mulher, Madalena, bela professora da cidade que um dia de apaixonou pelo rude agricultor. Casaram a contragosto dos pais. Maria, menina esperta, com cinco anos já sabia ler, travessa, gostava de correr, trepar em árvores, ajudava ao pai a tirar leite de gado, recolher ovos, cruzar animais, ferrar gado, menina sem medo. Sua educação sexual foi a pequena fazenda, observava os animais se acasalarem na maior simplicidade. Infância feliz, descobrindo a naturalidade da vida com os animais e as plantas. Maria foi alimentada por galinha de capoeira, ovos de pato, leite de jumenta, saúde por toda vida.

A CIDADE
Aos 13 anos, depois de muita insistência, o sonho de Maria era estudar em escola, ser professora, matricularam a menina num colégio da cidade. Ela morava na casa de uma tia durante a semana, na sexta à noite seu pai buscava a filha a cavalo. Maria se adaptou à nova vida, foi gozada pelas colegas, seus vestidos, voz de matuta, eram causas de gozações. Certo dia, na hora do recreio Maria acertou tapas e socos em quatro meninas. Acabaram-se as gozações. Tinham o maior respeito por sua maneira franca de falar. Nessa época os primeiros sintomas de adolescência apareceram, Maria tinha corpo e desejo de mulher aos 14 anos. Gostava de namoro, via o chumbrego com naturalidade. Namorou muito, entretanto, atendeu os conselhos da mãe: ter apenas um namorado, ser fiel e conservar a virgindade. Por ser tão aberta e gostar dos agarrados, do “sabão”, como era chamado naquela época, deram-lhe um apelido, Maria Sabãozeira. Quando soube, ela ficou tiririca de raiva.

A CAPITAL
O tempo passou, Maria foi estudar na capital, aprovada no vestibular de medicina, foi líder entre os universitários, namorou muito, a virgindade deu a um bonito colega. Certo dia se encantou com Maurício, um empresário, mais velho e desquitado, o pernambucano também se apaixonou pela morena bonita, cheia de vida, fez promessas de amor, ficar com ela para sempre, levou-a ao Recife, conheceu família, entrelaçados, nove meses de namoro, depois da formatura de Maria, 19 aninhos, o casamento com Maurício, 34 anos, na Catedral. Ela montou consultório, queria ser independente, apesar da grana do marido. Nunca deixou de ir à fazendola de seus pais em São José da Tapera, se enchia de felicidade montando cavalo, ajudando o pai nos serviços. Maurício ficava encantado com a agilidade e feminilidade da mulher. Maria dedicou-se à família, vieram dois filhos, mãe exemplar, e muito bem querer ao seu homem.

O MUNDO NOVO
Quando os filhos já bem encaminhados, Maria com pouco mais de 40 anos, ainda bela, corpo e saúde bem conservados, de repente notou mudanças no marido, alguma coisa estava acontecendo, seu sexto sentido, seu faro de mulher inteligente, nunca falharam. Uma amiga deu o conselho, a resposta está no celular. Durante a noite, enquanto o marido dormia, Maria pegou seu celular, levou ao banheiro, abriu nas chamadas e na agenda, anotou tudo direitinho. Quando teve folga, eram mais de 11 horas da manhã, começou a telefonar para os números, logo percebeu, para certo número havia mais chamada, era de Cíntia, uma bela voz. Maria teve a calma dos vencedores, contratou detetive, descobriu tudo. Com fotos e endereço na mão foi sozinha ao apartamento da sirigaita. Ao atender a bela loura ficou pasma, se assustou mais quando recebeu o primeiro tabefe e soco na cara, Maria deixou-a prostrada no chão, sangue escorrendo. Quando o marido chegou em casa para tentar se explicar, estava toda sua roupa, pastas, e outros pertences no corredor. Maria deixou apenas um bilhete: “Meu advogado vai lhe procurar.”
Hoje ela é conhecida nas noites da cidade como Maria Bonita, a cangaceira. Adora sair, diz ela, em busca do tempo perdido. Não quer comprometimento, vive sozinha, às vezes dorme alguém junto, geralmente um jovem bonito, ela escolhe no olho quem tem capacidade e eficiência para satisfazer seus desejos atrasados de mulher. Maria Bonita parece viver no cio.

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