Lembrar o tempo bom que passou faz bem ao coração, nunca é perda de tempo nem faz com que as pessoas cheguem atrasadas ao trabalho. Relembrar os dias felizes que a vida nos permitiu, é retornar ao passado na nave do pensamento e sentir a brisa da felicidade tocar seu corpo outra vez. Minha rua, a Avenida Adeildo Nepomuceno Marques, ali nas proximidades do Tênis Clube Santanense e dos cercados de Seu Abílio Pereira e Seu “Zé Ilias”. Minha rua dos bons vizinhos: Seu Oscar e Dona Dulce; Dona Nide e Seu Geraldo; Seu Antonio Mariano, Dona Santa e Dona Emília; Seu Zé Soares e Dona Zefinha; Seu Jacinto e Dona Verônica. Minha rua, meu pedacinho de céu. Foi nessa pequena artéria do meu Bairro, o Monumento, onde cresci sentindo a brisa das manhãs da minha terra beijar o orvalho, desfrutando os dias felizes sob os laços de uma amizade afetiva construída por uma vizinhança sem os resquícios da maldade. Foi na minha rua, na essência dos meus treze anos que conheci Seu Oscar e Dona Dulce, um casal humilde abençoado por Deus, cuja união estabelecida por um enlace matrimonial de quatorze anos, foi indenizada com uma prole de vinte e oito filhos, dos quais, vinte e um atenderam ao chamado do Pai Celestial no despertar da inocência. Como era deslumbrante aquele tempo, parecia que a preocupação maior do casal Dulce e Oscar era gerar dois filhos por ano, alguns foram concebidos aos seis e sete meses, pois o velho Oscar devido à habilidade física que possuía, era conhecido entre os seus funcionários na tenda ou oficina onde exercia a função de um exímio sapateiro, como homem dotado, em razão das características energéticas que adquirira ainda criança de um caboclo guerreiro sonhador. Na minha rua, entre os vizinhos, o que possuíam menos filhos eram pais de dez. Dava a impressão que aquela pequena via era uma rinha, só tinha galo, todo mês havia cachimbada (mel de Uruçu com cachaça). Também, não era pra menos, não existia televisão e computador. O único meio de saber as notícias era através do rádio à pilha, bateria ou à eletricidade. Lembro-me que o único horário em que as pessoas, somente os adultos, paravam suas atividades para encostar-se ao rádio, ocorria entre as 18 e 19 horas, quando eram levados ao ar a através das ondas curtas do rádio, “As Aventuras do Anjo”; “Jerônimo, o Herói do Sertão” e “O Direito de Nascer”. Todos esses programas se intercalavam com as propagandas do Sabonete Eucalol, da Cera Parquetina, do Alka Seltzer, Pomada minâncora e das Pílulas de Vida do Dr. Ross.
Entre os sete filhos vivos de Seu Oscar e Dona Dulce, Everaldo era o mais velho. Levou muito puxão de orelha, devido ao hábito que possuía de comer barro. Justamente, foi esse um dos motivos que levou seu velho pai se desfazer de uma olaria na Rua Zé Quirino, face ao prejuízo que o menino dava na arte de comer argila. Certa vez Seu Oscar falou, Dulce vamos vender a olaria e batizar o filhotinho. Nessa época, Everaldo com quase cinco anos de idade, barriga semelhante ao Serrote de Tigre, sapato 27, mas em compensação o cinto era 48. Acontece que para batizar o pequeno oleiro, teria inicialmente que providenciar o seu registro no cartório da cidade. Finalmente chegou o dia do registro e, lá vai Seu Oscar levando o baixinho embrulhado num saiote rumo ao cartório de Pedro Bulhões. Já no recinto, Seu Pedro Bulhões com o livro de registro sobre a mesa e admirado com a cor do buxudinho, examina-o, e seguidamente fala para o pai. Oscar isso ai (apontando para Everaldo) é um tremendo terreno de 20 m x 15 m, em vez de registro, vou dar a escritura. Seu Oscar bastante irritado desabafou; “Se esse peste “cagasse” barro eu investiria nele”, e partiu rumo sua casa para se consolar nos braços de sua bem amada Dulce Melquíades Purcino da Silva.
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