“Quando nascestes, recebida no lar, todos riam e só tu choravas”.
Por que choravas?
Por que aquele grito estridente, quando o momento reclamava harmonia e a expressão docemente saída dos lábios de tua mãezinha era só amor e gratidão...”Obrigado meu Deus”?
Por que chorar quando recebe-se o prêmio de vir ao mundo?
Ah, minha pequenina criatura, sabes muito bem porque choravas!
São vários os motivos de tamanha aflição...as vicissitudes da vida, a dureza do lutar para sobreviver, a aspereza da região a te servir de habitat, etc, etc.
A realidade nordestina, infelizmente muito tem de inóspita para as criaturinhas que nascem em seu berço geográfico, e que não nasçam em “berço esplêndido”. Guerra Junqueiro bem retrata esta realidade...”Ver os lírios das campinas/ Todos cheios de alegria/E tantas mãos pequeninas/ Sem o pão de cada dia”.
Tinhas razão em chorar, pequenino ser; uma vez que já sentias essas dificuldades quando ainda no ventre da tua mãezinha, senti-a preocupada por teu paupérrimo enxoval, por tua caminha de varas!
Assim nascem centenas de crianças nordestinas. Trazendo no rosto o estigma da fome. E uma elevada percentagem não sobrevive além do primeiro ano de vida!
Centenas de túmulos em cemitérios clandestinos escondem corpinhos, dores maternas profundas. E a causa mortis nos mata de vergonha... fome!
Outros tantos túmulos escondem corpinhos tragados por doenças perfeitamente evitáveis por vacinas, atestando assim a inoperância dos serviços de saúde, a inexistência de uma política pública de saúde eficiente e continuada para a infância.
Choras, pequenina criatura, porque aqui sobram obras públicas faraônicas inacabadas; avultam-se contendas políticas e escasseiam instituições de amparo à infância!
Choras, porque a criança não é prioridade de governo e sim de discursos hipócritas em palanques eleitoreiros!
Choras, porque os direitos adquiridos em 1959, com a promulgação pela ONU, dos “Direitos da Criança”, têm muito de letra morta em nosso país!
Certamente é por isto, desamparada criança nordestina que...”quando vens a morrer, todos choram, lamentam e só tu ris”...por se sentir livre da miséria, da inércia governamental, das promessas eleitoreiras.
Até quando irás chorar...pobre criança nordestina?
(*) Publicado em abril de 1990 no “O SACI” – Boletim informativo da Sociedade Alagoana de Pediatria.
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