OS FALARES DAS PALAVRAS VISIONÁRIAS E O QUASE-DISTANCIAMENTO NA ESCRITURAÇÃO SANTANENSE

Outras Peças Literárias

Maria do Socorro Ricardo



Estabeleci comentar os falares das palavras visionárias e o quase-distanciamento na escrituração santanense: um passeio na literatura produzida em Santana do Ipanema livros que são de variadas temáticas e literatura com conteúdo político. Sem uma obediência cega a ordem cronológica de suas publicações: 2. As Ruas, de 1992; 3. A Ignorância do Estudante: Filosofia do Direito estudantil, de 1998; 4. Ideias Políticas de Filosofia Educacional: uma proposta crítica mudando a estrutura autoritária escolar - da escola básica à universidade, de 1998; 5. Uma Teoria do Paradoxo: uma poética contemporânea nova, de 1999; 6. As Famosas Aventuras (não autorizadas) de GH na Cidade Barigadechope, de 1999; 7. Ein Prosit, Dionísio: aspectos míticos da Oktoberfest, gêneros literários e outros, de 2002; 8. Que Achas do Padre Beber em Serviço? EDUFSC, de 2004; 9. O Dente Cariado de MonaLisa, de 2005; 10. Ética na Escola: teoria e prática no cotidiano escolar com peças de teatro sobre o assédio moral, fibromialgia, Síndrome de Burnout, etc, de 2008.1. Não, de 1989. Este livro escrito ainda nos anos setenta, no século passado, quando o Brasil atravessava outros momentos políticos. Embora escrito em uma década, só foi publicado no final da década seguinte. Editado em 1988, o seu lançamento se dá em 1989. Durante o período de 1970, o autor elaborava seu método Teatro-Feijão-Com-Arroz. Está presente em vários aspectos de sua obra a dramaturgia que vem escrevendo há trinta anos.

As peças de teatro, os contos, as crônicas, os poemas fizeram do “NÃO” uma estreia em livro deste autor com nova proposta no mercado editorial, que é o de unir variados gêneros de uma mesma autoria em único livro. Oferece, com temáticas diversas, um universo cheio de faces literárias distintas. Ora poemas, ora dramaturgia, teatro radiofônico, rádio-teatro, ora crônica, ora conto, ele estende os seus braços de escritor com multifacetadas escrituras.

O título deste livro poderia ter sido “SIM” em lugar de “NÃO”. Livro este que, na capa, revela-se como uma interrogação. Qual o conteúdo do “NÃO”, quais os seus conteúdos, de que fala, como fala, onde fala, para quem fala?

a) De que mundo este livro “NÃO”, de Marcello Ricardo Almeida?

b) Qual Brasil o livro “NÃO” está mostrando?

c) Como o escritor escolhe e intitula os seus livros?

d) Quais os simbolismos presentes?

Escolher o título, às vezes, torna-se mais demorado se comparar ao conteúdo escrito do próprio livro. Outros títulos vêm súbitos, sem os autores imaginarem como; às vezes, na Arte, os títulos aparecem durante sonhos. No livro “NÃO”, de intrincadas personagens teatrais, de contos objetivos como este “O Homem e Seu Tempo”. Um conto na sua extensão certa, os elementos do conto bem distribuídos, a sua forma sem fôrma. Um escritor versátil, após outras publicações, no intervalo entre “NÃO” e “As Ruas”, esta volumosa publicação onde não só se repete a criação literária conhecida no livro “NÃO”, mas acrescenta o autor novas facetas em sua escritura, no dizer do maior contista catarinense, Silveira de Souza, da Academia Catarinense de Letras, “um cotidiano narrado em linguagem sui generis, na qual Marcello mistura o grotesco, o onírico, o real, o fantástico, o humor, o satírico e o trágico num estilo singular, com seus neologismos, onomatopeias, expressões coloquiais, junções de palavras e descrições inusitadas. Há um humor que perpassa todas as páginas. Numa linguagem contundente pelo sarcasmo, na qual sobressaem situações grotescas. As palavras conscientemente se deturpam. Na verdade, será perda de tempo especular-se a propósito de gênero literário quando se trata de Marcello Ricardo Almeida, um bruxo bem-humorado com seu caldeirão fervente”.

Às vezes, mas só às vezes, um livro por si não alcança o reconhecimento merecido ou desejado. Na verdade, mais desejado do que merecido. E, nesta hora, ao invés de se dizer shazam ou outra, dessas palavras mágicas, em seu lugar aparece um comentarista, um articulista, um ensaísta, um que gosta de comentar o trabalho dos outros. E, aí, o livro ganha um brilho diferente, porque passa a ser visto além dos olhos do autor, dos autores no caso de antologia (neste caso, “À sombra do juazeiro” – iniciativa do Portal Maltanet).

Assim, uma edição poderá continuar igual à edição que é ou, mais cedo ou mais tarde, uma nova roupagem sobre a obra que salva um certo livro do esquecimento. Há de se fazer um trabalho notável como vi em alguns casos com livros inexpressivos que foram traduzidos e ganharam luminosidade. Se não fosse aquela descoberta, aquele novo fazer ou refazer da tradução que tirou o livro de onde estava, ele iria permanecer, mas sem nenhuma lembrança; como de fato são vários livros em uma livraria, em uma biblioteca ou mesmo na casa de alguém. O livro existe, ele está ali, porém é completamente invisível.

Se um tradutor tomar a devida liberdade ao traduzir (que é o mesmo que trair) uma obra literária, cortando arestas, dando vazão em certos pontos, sem pensar duas vezes em meter a tesoura onde não foi chamado, ousando onde o autor original não ousou, fazendo quase uma obra à parte, valorizar essa ou aquela personagem – que maravilha! Poderá salvar um livro da poeira e da falta de interesse. Não que o mérito seja do tradutor, pois se o autor original mérito algum tivesse o livro a ser traduzido (traído) jamais chegaria às mãos do tradutor. É, em apressada comparação, aquele disco do Tom Zé que foi descoberto por um americano e o tirou do esquecimento. Dependerá da sorte, da energia de cada um.

É sobre estes falares das palavras visionárias no poder do sentimento confessional presente, em outro exemplo, no título À SOMBRA DO JUAZEIRO e o quase-distanciamento na escrituração santanense. Sempre há a possibilidade de uma crítica fazer mudanças em um trabalho, quando esta crítica nos faz enxergar coisas que não tínhamos visto.

E uma edição, mesmo sem boom comercial do tipo Paulo Coelho, poderá obter grande aceitação no mercado de livros. “Muitos teóricos de literatura defendem a ideia de que a Poesia não pode existir sem a Linguagem. Com surgimento do Pós-Modernismo e da Pós-Modernidade, entrementes, a poesia de vanguarda se apresenta das formas mais variáveis possíveis. É talvez a poesia experimental, ou uma de suas modalidades, a poesia sonora, por exemplo. A sonoridade também não deixa de ser uma forma de expressão, ou de linguagem”. E mais sobre este assunto da citação entre aspas, leia em “Uma Teoria do Paradoxo: um ensaio sobre a nova poética contemporânea”.

Está esclarecido no patrimônio histórico de Santana do Ipanema-AL, patrimônio histórico em minha memória de escritora e pesquisadora santanense, que os meios de comunicações sertanejos contribuíram para o surgimento dos talentos literários. Há uma criatividade latente no cotidiano e na cultura urbana de vários municípios alagoanos. Santana do Ipanema pode-se sentir feliz por ter sido o berço do autor de “João Urso e outros contos”, pode-se sentir feliz por ter sido um dos maiores escritores da língua portuguesa, Graciliano Ramos (e, aqui, parênteses: a esposa de GR, Dona Lola, tendo se encontrado com Marcello Ricardo Almeida, durante um festival de teatro em Arapiraca, aprovou a sua criação do método Teatro-Feijão-Com-Arroz) quem construiu a estrada de Palmeira-Santana que antes era um caminho do empreendedor Delmiro Gouveia, Graciliano Ramos cita em seu romance “Angústia” o rio e a cidade Santana do Ipanema, pode se sentir feliz por ter sido palco de muitos e importantes escritores, tendo sido um deles José Lins do Rego Cavalcanti, autor que era amigo de Santana do Ipanema, autor prestigiadíssimo de obras como “Menino de Engenho”, 1932, “Riacho Doce”, 1939, e Agnaldo Silva, em 1990, escreveu a sua minissérie Riacho Doce para a TV Globo, da obra de José Lins.

Não vou culpar a facilidade midiática, Era do Blog, onde a democratização da escrita oferece, sob todos os aspectos imaginados e inimagináveis, aquele que se alfabetiza em optar se escreve suas impressões “literárias” em um diário, agenda, caderno, pedaço de papel ou cria seu próprio blog e possibilita ao mundo, em tempo real, conhecer as imagens e/ou os textos do aspirante a escritor ou escritor ou ainda do escritor profissional. Estas três categorias aos que se dedicam ao ato de escrever, desde que seja escrever de maneira artística. Não é porque alguém recebeu a sua CNH que será transformado em um piloto de Fórmula Um; quem se alfabetiza não será, por isto, transformado em escritor, pois escritor não é jornalista ou qualquer outro que lida com a palavra escrita, mas quem escreve como quem reinventa outra maneira de se expressar.

Continuo afirmando que Santana do Ipanema é Terra de Escritores. Esta placa deve ostentar as entradas da cidade: “Bem-vindo a Santana do Ipanema: Terra de Escritores” como expressão verdadeira e de autoestima aos amigos de Santana do Ipanema – com a palavra o poder público e os clubes de serviço, o comércio e a indústria. Não apenas de escritores dos tempos de Oscar Silva, Tadeu Rocha, Marcello Ricardo Almeida, Valdemar Lima, Luitgarde Cavalcanti Barros, Breno Accioly, José Geraldo Wanderley Marques, Rossana Gaia, Aguinaldo Nepomuceno Marques, Ivone Bulhões, Virgilio Wanderley Nepomuceno, Maikel Marques, José Marques de Melo, Fernando Nepomuceno Filho, Clerisvaldo B. Chagas, Morche Ricardo Almeida, Djalma de Melo Carvalho, Lúcia Nobre, José Pereira Monteiro, José Peixoto Noya, José Geraldo Nepomuceno Marques, os irmãos Sérgio, Fábio, Fernando Soares Campos e Selma Campos, João Neto Félix Mendes, Cláudio Campos, José Albérico Alécio, Manoel Constantino Filho, Remi Bastos, Maria do Socorro Ricardo, José Antonio Soares Campos, João Francisco das Chagas Neto, Luiz Antonio de Farias, Roberval Noia, José Avelar Alécio, Antonio Alves Sobrinho, Maria Goretti Brandão, José de Melo Carvalho, José Cândido da Silva, Valter Alves de Oliveira Filho, Mozart Brandão Barros, Sebastião Florestino Malta, José Malta Fontes Neto, Mário Pacífico, Francisco Roberval Ribeiro, Lúcia Azevedo, Pedro Pacífico Filho, Plácido Nunes, José Ormindo, Adelson Miranda, Júlio César Lopes Furtado, Marcelo Fausto, Etevaldo Alves Amorim, Cheops Araújo Malta, Sebastião Florentino Malta, Silvio Melo, Chico Santos, João Tertuliano Nepomuceno, Genival Barbosa, Ellen Karla, Robério Magalhães, Maria Aparecida Silva dos Santos, Pe. José Neto de França, Jorge Vieira, Maria Cícera Gomes, José de França Filho, Maria Cilene, Maria de Lourdes Nascimento, Manuel Augusto, Sibele Arroxellas, Rogivaldo Chagas, Luciene Amaral da Silva, Carlindo de Lira, Eduardo Bonfin, Roberto Gonçalves, Fernando Valões, Suzy Maurício, os irmãos Floro e Darci Araújo de Melo, Sílvio Nascimento Melo, José de Melo Carvalho, Ivone Bulhões, Luís Vilar - uma lista parcial de alguns escritores santanenses sob efeito de diáspora voluntária. Esta lista é ainda maior, pois se avoluma a cada ano. “Santana do Ipanema-AL: Sertão de Escritores” assinalei em minha obra “Diálogos com Santana iconográfica: de Zabé Brincão aos nossos dias”, 2009, Florianópolis, Literatura em SC. “Santana do Ipanema: Terra de Escritores” não é um fenômeno deste princípio de século XXI, porque tínhamos no início do século XX – portanto, há um século antes deste momento – o Pe. Francisco Correia e outras celebridades santanenses escritores. Acuso a liberdade de pensamento sertaneja e a livre expressão dos poetas populares de minha terra maternal, estes passaram todo o século XX compondo os seus poemas de cordéis dos mais variados estilos. Nas quartas-feiras e sábados, os poetas santanenses estendiam os seus poemas sob toldas, cantava-os ao som de viola, esta poesia popular de origem oral e antiga, anterior aos folhetos rústicos impressos em gráficas de fundo de quintal, com ilustrações de belíssimas xilogravuras. Esta arte poética no Brasil do século XVIII, de origem trovadoresca portuguesa.

O escritor, a escritora – e não escriba, pois escriba é quem escreve literatice e não literatura – não carecem pedir permissão ao el-rei para escrever seus livros com arte. Houve época em que o escritor era tido como uma extensão de alguma divindade na Terra. Quando me refiro a escritor, refiro-me a não-crise da criação intelectual e artística, é o disciplinado, é o talentoso, é o que se dedica à arte de bem escrever. A mentalidade da monarquia absolutista é quem defende a teoria que para ser escritor antes deverá pedir autorização ao el-rei. Infelizmente, muitos livros estão cheios de textos de escritores de poucos méritos. O escritor é aquele que se expõe através de sua literatura. Em Santana do Ipanema, no Sertão de Alagoas, o Portal Maltanet oportuniza o surgimento de novos talentos literários. Além deste provedor há também Santanaoxente e Sertao24horas que oportunizam o surgimento de novas promessas literárias. Alguns (e só o tempo dirá) se firmarão nesta maneira artística de se expressar, outros serão nuvens passageiras (ao que desejo que sejam poucos os que irão desistir em continuar neste exercício artístico de escrever). Há quem se arrisque ainda na fase de alfabetização a querer ser poeta metrificando sem saber metrificar e com rimas pobres, poemas pés-quebrados, ingênuos, piegas, quando ainda não se descobrira. Sugiro a leitura do livro de outro santanense "Uma Teoria do Paradoxo: teoria literária e crítica ao estudo da literatura e da arte como proposição analítica e auto-analítica aos novos leitores, escritores, poetas e dramaturgos", nele o aspirante a escritor é posto à prova. Um dia, quem gosta de literatura, acorde-se e escreva: "Eu queria mudar o mundo, mas foi o mundo quem me mudou o meu DNA, o meu DNE, o meu DNI, o meu DNO, o meu DNU" (Diálogos com Santana.../2009/Florianópolis). Quando li o livro “À Sombra do Juazeiro”, 2008, SP, e antes “À Sombra do Umbuzeiro”, 2006, edições do Portal Maltanet e conheci as “histórias engraçadas”, as “marcas do passado”, os “contos”, as “crônicas” e os “poemas”, então disse a mim mesma: estou convencida de que alguns destes autores sexagenários anteriormente citados aos poucos apresentam as suas qualidades literárias provando a minha tese de que Santana do Ipanema é verdadeiramente Terra de Escritores. Este é o exercício da literatura em Santana do Ipanema.

Maria do Socorro Ricardo
escritora e pesquisadora

http://aescritorasantanense.blogspot.com/
http://apoesiademariadosocorroricardo.blogspot.com/

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