Ela sempre chega rápida e silenciosa. Diria faceira. Muito rápida que mal dar para fazer um comentário, louvar a sua chegada pela manhã ou sorver lentamente, na sua presença, o último gole do último cafezinho do dia no finalzinho da tarde antes da sua saída. Rigorosamente às nove horas da manhã e às cinco horas da tarde. Ela nunca falha.
A minha boca seca e ansiosa, as nove ou às dezessete horas, prenuncia a sua chegada: “Ela chegou?”. A primeira vez é imperdível. Sempre muito quente. Quando ela entra no ambiente, ao final da tarde, todos procuram aproveitar os últimos momentos daquele prazer. Não importa o calor e se o condicionador de ar já está desligado. Os mais antigos dizem que não se deve exagerar, pois “faz mal à saúde”, enquanto outros mais modernos afirmam “na medida certa é bom para o corpo”.
Uma vez. Uma única vez ela me surpreendeu: “Quer mais um pouco?”. Não pensei duas vezes: repeti de novo. Lembro-me de parte dos versos poéticos de Milton e Chico. De Milton Nascimento: “É um dom. Uma certa magia. Uma força que nos alerta. Uma mulher que merece viver e amar. Como outra qualquer do planeta.”. De Chico Buarque: “Todo dia ela faz sempre tudo igual”. Mas ela não é umas das mulheres de Chico Buarque. Mas deveria.
É de poucas palavras ou de pouca conversa. Como queiram. Ou como pensam. Quando fala, sempre em resposta a alguma pergunta provocativa, diz frases curtas. Quase nunca pergunta. Muito menos ou nunca expressa seus pensamentos ou opinião. Mesmo que fosse qualquer comentário banal sobre marido, filhos, último capítulo da novela ou sobre o seu trabalho. Nada. Reclamar de algo, para ela, deve ser impensável. Provavelmente nunca alterou o tom da voz. Poderia pensar em chamá-la de “Amélia” (a que era mulher de verdade), ou “Geni” (joga pedra na Geni!) ou qualquer das musas extremadas e ela, com certeza, apenas abriria aquele sorriso manso.
Outro dia foi notícia de coluna de jornal. Fez sucesso. Artigo primoroso e fiel. A jornalista e articulista conseguiu (imagino quantos encontros foram necessários) em um misto de crônica e entrevista mostrar um pouco da sua vida e da importância do seu papel. Relutou de todas as formas. Não gosta de publicidade nem de “zumzumzum” ou de “tititi”. Discreta e avessa à fotografia não conseguiu escapar do flagrante fotográfico do Antônio.
Cabelos sempre presos. Olhos castanhos inquietamente escuros. Não tem mais de um metro e sessenta. Seu corpo pequeno (não é “falsa magra”) escondido no vestido branco e azul não demonstra a força e determinação que tem. E disciplina. Que exige de si não falhar com o seu compromisso diário (sagrado para ela) de atender a todos. É um ritual. Percorre os lugares discretamente passando de forma a não ser percebida.
Quem não conhece a Celinha?
Durante o dia todo. Todos os dias. Ela serve a todos. Indistintamente. Dignamente. O café de todo dia. O prazer de cada dia.
Final de noite. Em Maceió. 05.04.2006.
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