COLAPSO CONTÍNUO

Poemas

Plácido Nunes

Aqui, tudo é deserto.
Os desenhos da minha alma, que tanto amei, estão cobertos de tristezas corrosivas.
O horizonte, mais longe do que antes, do que quando eu era criança, trai-me.
Perdi o momento de ver como se processam as minhas esperanças e os meus sonhos.
Tudo é clichê e sem volta.
Tudo é memória e embriaguez.
Tudo é querer não saber de coisa alguma
E as horas me tragam violentamente e remetem-me à monotonia dos dias comuns.
A vida, que dela sei?
A vida, esta agora, a vida desta mesma dor, desvencilha-se dos meus propósitos e esvai-se, súbita, pelas saídas de emergências, pelos corredores vazios dos museus, pelas escadas-rolantes dos shoppings, pelas enfermarias dos hospitais públicos, pelos salões e quartos escuros dos bordéis.
Meu coração, por que estás tão cansado? Por que não escapas às incertezas e aos meus descuidos?
Ó Deus, por que o dia não passa?
Por que essa luz insiste em incidir em minhas fraquezas? Em minhas desculpas? Em meu desengano?
Por que não me consomem, de vez, esse medo de amplidão, essa ansiedade, toda essa promessa de amanhãs, esse desejo de céu azul cheio de estrelas, de sorrisos, de cartas e versos?
Que pode ser a felicidade neste quarto de hotel, nesta cidade estranhamente seca e bela?
Ai! Ai! Meu coração! Por que não paras e acabas, assim, com o que me atormenta, com o que me faz saber mais de mim?
Desisto de acender as luzes. Vou à janela. Tudo é ruído e fumaça.
As cinzas da modernidade vibram e vivem e viverão sem que o meu ser tenha importância para a dinâmica, para a engrenagem fria e enferrujada do mundo.
Ai! Ai! Meu coração! Por que não te sinto como deveria? Por que apertas o meu peito como se eu tivesse feito tudo contra a minha vontade? Por que não compreendes que a solidão pode ser outra forma de aceitar a existência de Deus? Por que não silencias teus batimentos cheios de mágoas e receios?
Tudo é sem cais.
Tudo é sem mar.
Tudo é uma porta entreaberta, sempre entreaberta.
Tudo é um vão por onde passam devaneios, dúvidas e pecados.
Ouço, como silêncio, a valsa fúnebre do vazio.
Ai! Ai! Meu coração!
Por que não me devolves a minha infância já tão esquecida?

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