Olhar para cima
E nos alicerçar sempre
Com pensamentos positivos.
O fazendeiro muito rico construiu uma torre bastante alta e bem estruturada para esconder um valioso tesouro. Dizia ele ao empregados que ninguém poderia conhecer a parte interior da torre. Eles, os guardas teriam de vigiar a entrada com muito vigor, pois, se alguma violação acontecesse, seriam severamente punidos.
Todos na cidade sabiam que jamais poderiam conhecer aquele local. Acreditavam que o tesouro possuía grande valor. Mesmo os curiosos ou os ladrões, não ousavam enfrentar aqueles guardas bem armados. Aproveitando que alguns guardas estavam entretidos, e só um estava atento, o menino tentou conquistá-lo. Com um lápis e papel na mão, tenta convencer o guarda:
- Seu guarda, eu preciso fazer um desenho da cidade, e só de cima da torre posso ver toda cidade.
- Deixe de conversa garoto, tão pequeno, e já com essa esperteza! Você sabe que ninguém pode subir.
- Olhe seu guarda, não acredito que lá tenha algum tesouro e mesmo que haja, não interessa. Eu quero mesmo é fazer meu trabalho que a professora pediu, acredite em mim.
O guarda desconfiado, olha a criança e depois pensa. O que essa criança poderá fazer de mal? O que ela tem nas mãos? Um lápis e um papel. É uma criança inofensiva é claro.
- Olhe, só dessa vez, suba por ali e não mexa em nada.
- Muito obrigado, seu guarda, vou comportar-me, vai ver.
E o menino passou lá toda manhã e quando volta, passa sorrateiramente que os guardas nem percebem.
- Lá vai o menino, pensa que nem percebi que saiu (Fala para ele mesmo o guarda intrigado com a astúcia de um menino tão pequeno).
Como no outro dia, o menino observa, e percebe que é o mesmo guarda que está atento ao trabalho.
- Bom dia, seu guarda (Fala ele baixinho para que não seja percebido pelos outros guardas).
- Trouxe uma fatia de bolo para o senhor e um livro para lê-lo na torre. Lá é muito tranqüilo, enquanto em minha casa, se faz muito barulho.
- Você não pode ficar acostumado, sabe que é proibido, só dessa vez, vá rápido, antes que os outros guardas o vejam.
E assim sempre que podia o garoto aparecia com um livro e uma fatia de bolo para o guarda. Esse até que queria proibi-lo, mas o menino tão gentil o conquistava.
- Diga-me uma coisa, espertinho, por que você sobe com um livro e não volta com ele?
- Porque no fim do ano quero ver quantos livros li.
- Nunca vi uma criança gostar tanto de ler. Bom, eu não posso assumir essa responsabilidade, vê se encontra outro lugar, você está me comprometendo sabia? Posso perder meu emprego.
- Você não vai perder seu emprego, está fazendo o bem.
- Deixe de conversa e suba logo.
O garoto subia feliz, sempre com um sorriso de agradecimento ao guarda que tinha se tornado seu cúmplice. Queria estar em paz com seus livros e aquele lugar tornava-se perfeito. Passaram-se os anos, e o jovem continuava com sua excêntrica mania. O dono do tesouro, já velho e cansado da lida, e muito triste por não ter usufruído o seu tesouro guardado, morre, e ninguém mais terá de guardar a torre. Os próprios guardas procuraram e não encontraram nenhum tesouro. Eles mesmos espalharam que ali não havia nenhum tesouro. O homem que construíra a torre e a eles pagava para guardá-la, devia estar louco. Só uma pessoa não deixaria de freqüentar a torre do tesouro. Quando chega, não encontra nenhum guarda e as portas abertas. Indaga a alguém que passa sobre o que está acontecendo ali, sem nenhum guarda. Alguém lhe responde que ali não há nenhum tesouro. Surpreso, o jovem faz o seu trajeto habitual. E com mais surpresa ainda, observa ali uma jovem.
- O que está fazendo aqui na torre?
- Eu moro aqui desde criança. Não me pergunte que não sei responder porquê.
- Nunca a vi, eu vinha aqui praticamente todos os dias...
- Eu sei, vinha ler. Eu escondia-me, não podia ser vista. Mas os livros que você deixava serviram para que também lesse a aprendesse tudo que sei da vida.
- Como sobreviveu aqui? Quem cuidou de você? Disse que desde criança está aqui.
- Uma pessoa cuidava de mim de acordo com os guardas. Às noites trazia minha alimentação, cuidava de minha higiene, ensinou-me a ler. Não conversava. Dizia que fazia sua obrigação e nunca me contou o motivo da minha morada na torre, isolada do mundo. Contei sobre você e ela aconselhou-me que eu não me apresentasse, pois, poderia ser perigoso. Não conheço outra vida, não conheço outras pessoas, quando o vi, fiquei assustada, mas depois esperava a sua vinda. Graças aos livros que deixava, conheci o mundo.
- Mas agora não precisa ficar aqui. Os guardas foram embora, as portas estão abertas, vamos embora.
- Para onde eu vou? Não sei para onde ir. Quem sou eu? Por que me colocaram aqui?
- Não sei. Só sei que todos pensavam que aqui havia um tesouro. É você o tesouro!
- Eu tesouro? Que tesouro? Que história é essa de tesouro?
- Não sei, repito. Mas, o que todos sabem, é que esta torre fora construída por um senhor muito rico para guardar um tesouro. E você mora aqui desde criança, foi seu pai que a colocou aqui. Agora ele está morto, ninguém o conhece, só sabem que morreu.
- Ele não é desta cidade?
- Não. Ninguém nunca o viu.
- Então, ninguém sabe quem é minha família.
- Todos só contam a história do tesouro.
- Se você me ajudar eu quero sair daqui, quero conhecer o mundo pessoalmente. Agora entendo porque a mulher não veio mais trazer minha refeição e estou com fome.
- Claro que a ajudo. Vamos pensar o que devemos fazer. Você falou que aprendeu com os livros que eu deixei, sobre a vida. Eu também, o que sei devo a eles.
- Você também não tem ninguém?
- Tenho. Depois conversaremos sobre isso, vamos sair e comer alguma coisa.
Os jovens planejaram construir um lugar onde possam transmitir todo conhecimento que adquiriram nos livros. Um lugar, onde fossem respeitados e livres para decidir sobre suas vidas. Pois, o que tiveram de experiências com eles mesmos, não poderia ser tomado como exemplo para alguém.
- Sei que é um jovem que sabe da vida, ao mesmo tempo, falou-me que não recebeu bons exemplos de seus familiares. Quer falar sobre isso?
- Meus pais possuem bens materiais, no entanto, para eles, só isso importa. Nunca fui livre para escolher os meus amigos, não se importavam com minha opinião, foi assim que comecei freqüentar a torre, lá, eu podia ser eu mesmo, podia ler minhas opções e até conversar comigo mesmo. Estudei o que quis contra a vontade deles e fugia de casa para não ouvir seus sermões contraditórios. Hoje, sou independente, posso construir, junto com você a nossa própria vida, se quiser, é claro.
- Eu não sou independente, nem mesmo tenho identidade, sei que morei em uma torre, mesmo assim, compreendo o que deseja. Sei também que é esse meu desejo, porque também fui indesejada. Talvez, tenhamos o mesmo destino. Só tenho certeza que nossos objetivos se casam.Conquistá-los-emos.
- Não quer investigar sobre sua família?
- Para que? Você teve a sua, e ao mesmo tempo não teve. A minha, nem tive. Vamos construir uma nova.
Como, ninguém apareceu para tomar posse da torre, os dois resolveram destruí-la e fazer do local uma bela morada para abrigar aqueles que quisessem conquistar o conhecimento da sabedoria, do amor, da fraternidade. Ali, só freqüentaria os amantes da boa vontade, do gosto pelo trabalho, pelo estudo, pela praticidade do bem. E acima de tudo, o respeito pelo ser humano, onde esse tivesse plena liberdade de ação. Esse era o ponto fundamental, a liberdade. Tudo que faltou ao jovem casal.
Tudo estava caminhando muito bem. E os jovens sempre recebiam aqueles que desejavam viver melhor, queriam participar daquele convívio. Para surpresa de um visitante, quem o recebe é o menino, agora jovem, que o convencia a burlar a lei.
- Quem eu encontro nesse belo lugar, aquele que me comprava com um belo sorriso e um inteligente argumento!
- Como me conheceu? Eu acho que mudei, não sou mais criança.
- O seu olhar compenetrado continua o mesmo. Como poderia esquecê-lo?
- Não me diga que pretende fazer parte de nossa casa?
- Desejo conhecer, já ouvi falar que essa escola deveria ser imitada, pois nela se aprende o verdadeiro sentido da vida. Viver sem arrogância, respeitando o outro, o que é muito difícil nos tempos atuais.
- Posso chamá-lo de guarda? É assim que o conheço. E falando nisso, o que sabe o tesouro que estava na torre?
- Na época, não sabíamos de nada. Éramos contratados e pagos para a vigilância da torre pela empresa de vigilantes. Depois fomos dispensados daquele serviço. Continuei meus estudos e hoje sou um profissional liberal. Como tenho filhos para educar, resolvi procurar essa comunidade. Só não entendi o porquê desse local e justo você trabalhar aqui.
- Explicarei tudo. Antes, quero saber a verdadeira história do tesouro.
- Como estava lhe falando, fiquei curioso com aquela história e resolvi investigar. Em uma cidade, um pouco distante daqui, havia um homem bastante rico e que só queria ter filhos homens.Certo dia nasce uma menina e ele revoltado resolve construir uma torre para esconder a menina. Para a família, simula um rapto, ninguém nunca soube para onde levaram a criança. Para os moradores da cidade da torre, o homem muito rico guardava um tesouro. Nós os guardas, não sabíamos de nada, guardávamos o tesouro. Agora eu lhe pergunto. Você nunca viu a menina?
- Não, claro que não. Continue por favor.
- Pelo que contaram, viveu amargurado até sua morte. A mãe da menina morreu pouco tempo depois do ocorrido e os irmãos cada um partiu para um destino diferente. A menina sumiu, ninguém sabe sobre ela. Acho muito triste tudo que aconteceu. Se isso é verdade por que não encontraram a menina?
- Mas a menina não era mais menina!
- Claro, para mim, continua um mistério.
- Certamente. Concordo que é um mistério.
- Mas você não me falou porque, justamente você que gostava da torre, hoje trabalha aqui. Apegou-se tanto assim aos mistérios da torre?
- Com toda certeza. Lá, aprendi nos livros o que não aprendi com minha família. E quem sabe lá não estaria o meu tesouro encantado, que de tanto viver na solidão, aprendeu a fórmula mágica de viver bem consigo mesma e com os outros.
- Eu não quero acreditar que o mistério desvendou-se. Será?
- Sim. O tesouro é mesmo uma preciosidade. Estamos juntos, tentando passar aos outros todo amor possível, mesmo que não tenhamos recebido quando mais precisávamos, na infância. Parece que essa ausência serviu de alicerce para sermos pessoas preocupadas em viver bem. Vamos, vou apresentar-lhe meu tesouro.
- Parabéns! Percebi que era um menino de bem, quando confiei e deixei subir até a torre. Seu alicerce de vida, contrariando todas as normas, começou nas alturas.
Conto publicado em 25/02/07
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