DOS ESPIRAIS AOS INFINITOS DESEJOS

Contos

Maria Goretti Brandão

Foi igual uma vez, lá no quintal, quando vi pendurada num galho, uma goiaba desse tamanho! Enxerguei a danada enorme! Grande e inchada do jeito que gosto.

No quintal da minha casa tem uma goiabeira frondosa, com galhos que se debruçam nos quintais alheios. Observo as mudanças das estações por ela. Da vez que se enche de flores, a minha mãe faz discurso, explicando as ciências de Deus. Começa pela semente plantada na terra. Conduz-nos diante da árvore e fala emocionada:
__Vejam as folhas! Que beleza, as folhas! É por elas que a planta respira! Veja o verde dessas aqui, bem novinhas! Olhem a florada! Estamos na primavera!

Mamãe fica encantada e encanta a gente!
__Reparem nas flores! Tudo aqui será fruto! Reparem nos frutos miúdos já nascidos! Explica maravilhada o que a gente já sabe: que as sementes se encontram dispostas dentro dos frutos, incumbidas de fazerem surgir novas goiabeiras.
__É coisa que não pára nunca! A semente, a árvore, o fruto...
Ouvindo-a falar, imagino uma linha curva que quase se fecha. Depois outra e mais outra. Todas sobrepostas e de diâmetros maiores que as anteriores. E todas rodando.
Disse à minha mãe sobre a minha imaginação da coisa acontecendo. Ela escutou com atenção e perguntou:
__O que você vê?
__Uma coisa parecida com mola, e que vai crescendo, crescendo, formando grandes círculos que nunca se fecham.
Ela imaginou a minha descrição e afirmou, atualizando a palavra:
__ Mola não! Infinito! Isso parece visão do infinito. Pois se não acaba nunca?!
Depois pensou mais um pouco olhando pra mim sem me ver, abstraída, buscando na memória, as palavras do seu vocabulário. Não tardou e retornou de se, com mais outra palavra: Espiral.
__É isso mesmo. Espiral. Espirais. Círculos que não se fecham. Coisa em movimento, subindo, subindo... Falou e então se voltou para ver a florada, com o mesmo interesse de antes, enchendo os olhos, com as pequenas flores brancas e adocicadas da goiabeira. As duas palavras, porém, me pareceram grandiosas e, com efeito, ocuparam meu pensamento, enquanto eu tornava a acompanhar minha mãe na sua aula de ciências, ao ar livre, bem ali no quintal. O infinito era algo que se repetia, obedecendo a ordens seqüenciadas. Repetia-se para não acabar. Não tinha limites, porque se expandia. Experimentei aplicar a palavra e a sua dialética a todas as coisas vivas e conhecidas. Comecei pelos gatos, depois fui às pedras. Eliminei as pedras porque não eram vivas, nem dispunham de sementes, mas analisei que um gato, trás outro gato dentro dele. Então e por essa medida, separei as coisas que se repetem das que se acabam ou se encerram nelas mesmas, determinando as primeiras, como se fossem uma mesma coisa e de um mesmo significado; a vida e o infinito. Como sinônimos.
Esqueci a minha mãe, dentro de sua peculiar sala de aula, distraída em meio às folhas, ensinando sobre as coisas que geram outras e que são elas mesmas depois, e atravessei a porta dos fundos entrando na cozinha. Encontrei Irene arrumando a roupa suja e tentei explicar a ela, a relação entre o infinito e a vida. Obter opinião. Falei em espirais__ que mamãe tinha dito__ e dei como exemplos: a goiabeira e os gatos. Ela se manteve indiferente, como se não me estivesse ouvindo, juntando as pontas de um lençol, fazendo a trouxa e dando-lhe nós. Pareceu resmungar. Foi atrás do sabão e me deixou falando sozinha. E quando voltou me dirigiu secamente a palavra:
__Não tenho interesse por essas besteiras, menina! O que tinha de saber, já sei!
Entristeci.
Olhei para o quintal e vi pedacinhos da minha mãe, em presença que se movia, leve, lá fora, passeando pela natureza caseira, nomeando ainda, as funções de cada parte das plantas e chamando tudo de milagre. Irene dispensava se inteirar de outras coisas, como perda de tempo, em pensamentos mais complexos__ aborrecida__ se a gente fazia menção deles. Enjoava-se dos milagres e de pensá-los! Ajeitou a trouxa na cabeça, equilibrando-a, e saiu sem se despedir, atravessando os portais, até a porta de saída. Entrou pela rua e sumiu. O que ela tinha a ver com o infinito?
A goiaba enorme, que eu tinha visto, pendurada, cresceu-me aos olhos. Subi na árvore. Arrancada do pé e em minhas mãos, pareceu-me pequena. Era assim mesmo; as goiabas sempre me iludiam. Na verdade, os meus desejos é que me iludiam, valorando-as, tornando-as maiores do que eram.

O tempo e eu, juntos, entramos em casa e flagramos a minha mãe, no seu laboratório a céu aberto, explicando__ agora, para as netas__ Deus em suas ciências. Ela mostrava a florada violácea das acerolas, discorrendo sobre os frutos vindouros, maravilhada, como se tivesse estado ali, sempre, e o tempo todo, se repetindo no verde novinho que as folhas se vestem. Pegava com delicadeza a vida em metamorfose, falava sobre as estações do ano, e continuava afirmando, com certeza, ser tudo coisa de milagres. Olhei para a goiabeira e subi nela com o coração, os meus desejos de infinito e vida. Minhas espirais retornaram, cresceram, ganharam força e se fizeram em furacão, que levantou a poeira do quintal. Senti a razão do infinito por dentro das coisas. Impalpável, mas forte, como um sentimento que forma círculos que nunca se fecham e se sobrepõem enormes, grandes e inchados, como as goiabas penduradas nos galhos... Pode ser que me caiba ás mãos. Um infinito pequeno, só para repetir-se e repetir-me. Só para nunca acabar... Mas é o desejo que move minhas espirais. É o lugar onde eu persigo a vida. É uma coisa parecida com mola. Eu disse à minha mãe. Ela chamou de infinito. Minha mãe que entende da repetição nas coisas e no tempo, que renova maravilhada a alegria de cada nova florada, nas árvores e arbustos, encontrou espirais na minha visão de infinito. E eu, descobri que o infinito é como o desejo de saborear a goiaba que balança nos galhos e parece grande. Tem complexidade!
Para Irene, a idéia do infinito era-lhe indiferente. Desprezava imaginá-lo logicamente, existente ou existindo, acontecendo em goiabeiras e gatos ou formando círculos. Preferia as coisas palpáveis, para não gastar pensamento em coisa que não tem fim, quebrando a cabeça. Para mim, desejar as coisas é meu infinito. Infinito cheio de desejos que têm outros por dentro, em espirais que zoam o tempo todo em minha cabeça.

Maceió. Março/29/06.

Conto publicado em 05/02/07

Comentários