Uma entrevista com Fernando Soares Campos, o CSL. Um papo transcendendo tempos históricos e espaços cibernéticos.
Entre uma manhã ensolarada "À Sombra do Umbuzeiro" em 2006 e os degraus da Igreja de N.S. Assunção, no Monumento, numa estrelada noite de outrora, conversei com Fernando Soares Campos a tarde inteira, num boteco com cervejas mornas dos anos 50 e 60. Esperando a cerveja gelar, o papo adentrou a madrugada no aterro cibernético das próximas décadas.
Os modernos freezers chegaram, a cidade cresceu e o campo sem chuvas ostenta casas abandonadas à beira de estradas mal conservadas. Nos próximos anos a previsão da ANA — Agência Nacional das Águas — para Santana é de 37 mil habitantes urbanos em 2015, chegando a 44 mil em 2025. Em números redondos, hoje são 30 mil habitantes na cidade e 17 mil habitantes na zona rural (Fonte: IBGE, Censo 2000).
A ANA informa que o abastecimento d'água em Santana é crítico, limitado pela Adutora da Bacia Leiteira (CASAL). E outras fontes revelam que não há sobra de energia para empreendimentos industriais de médio e grande porte em Santana, nos próximos 20 anos.
Menos mal, pois médios e grandes empreendimentos costumam gerar concentração de renda, deterioração da qualidade de vida nos bairros periféricos, restrições às liberdades de expressão das classes médias mais ousadas, violência e outras mazelas sociais em todo o espectro social.
Sobre estes e outros temas, conversamos, Fernando e eu, via Internet, e resolvi, com a anuência do entrevistado, submeter trechos dessa conversa à publicação na seção "outras peças", do Portal do Malta.
JOÃO – Fernando, apesar de santanense nato, você viveu a maior parte de sua vida fora de Santana, por isso acredito que seja necessário apresentá-lo aos santanenses que tenham menos de 40 anos. Quem é Fernando Soares Campos?
Fernando – Acho que não só aos que tenham menos de 40, mas também aos que chegaram à cidade depois dos anos 60. Bom, em Santana, hoje, para que alguém me identifique, ficaria mais fácil dizer que sou irmão de Sérgio Biu ou de Chico Soares. Selma e Fábio também seriam boas referências, todos filhos de Dona Dneusa. Para Zé Carlos Malta, Capiá, João Neto Capela e tantos outros, serei sempre Fernando de Seu João Soares. Mas o Anjo Destrambelhado (João Neto Chagas) me arranjou outra denominação: Cão do Segundo Livro, que logo se resumiu a CSL, uma coisa bem mais apropriada para os sobrinhos do Padre Bulhões, por exemplo.
(J) - Morando no Rio de Janeiro, uma das maiores cidades nordestinas do Brasil (São Paulo é a maior), como você vê Santana do Ipanema hoje?
CSL - Como uma das maiores, entre as menores cidades nordestinas.
(J) - Em números, Santana é a 18a cidade de Alagoas em IDH - Índice de Desenvolvimento Humano (Fonte: UNESCO), a 3776 a no Brasil. Em versos como isso ficaria?
CSL - Acho que fica melhor em prosa. Lendo Breno Accioly, a gente pode identificar que já houve épocas em que a cidade alcançou maior desenvolvimento humano.
(J) - Como santanense morando no Rio de Janeiro há muitos anos, que diferenças você vê entre a Cidade Maravilhosa que conheceu quando aí chegou e o Rio de hoje?
CSL - Acho que dá para responder com uma paródia daquela música de Luiz Gonzaga:
... "No Rio tá tudo mudado /
Nas noites de São João /
Em vez de polca e rancheira /
É bala traçante no meu barracão" ...
(J) - Santana, de dia, "À SOMBRA DO UMBUZEIRO" e, de noite, "AO LÉU NA PRAÇA DO MONUMENTO". Como lhe parecem estes espaços?
CSL - Insuficientes. Faltaram: à tarde no Bar Comercial, do Mário Pacífico, e de madrugada no Aterro.
(J) - É um privilégio, para cariocas e santanenses, ter as duas opções à mão: ler e escrever no papel ou na tela de computador. Como vê isso?
CSL - Geralmente usando óculos.
(J) - Torres de celulares (TIM, Claro, Oi, Vivo), repetidoras de TVs na serra e antenas parabólicas nos telhados, Portal do Malta, rádios AM e FM, isso é o fim do mundo ou o começo de uma nova era?
CSL – Nem uma coisa nem outra, tudo isso aí apenas facilitou esta entrevista. Acho até que foi tudo montado com esse objetivo.
(J) - Futebol em campo, sinuca nas mesas, corrida nas ruas, ergométrica na academia, o que você faz enquanto não escreve?
CSL - Penso no que vou escrever.
(J) - Tendo vivido na Santana abastecida pelos jumentos com suas ancoretas d'água e casas iluminadas pelos candeeiros, você acha que deveriam investir em pesquisas e estudos para se encontrar novas alternativas de abastecimento d'água e fornecimento de energia elétrica nos sertões nordestinos?
CSL - Sim, principalmente pesquisar e estudar os efeitos obtidos através de novas rezas e ladainhas a São Pedro e, eventualmente, a São José. Quanto à eletricidade, eu desconheço o nome do santo responsável pelos relâmpagos. São Benedito não é. Este, provavelmente, promove o asfaltamento das ruas.
(J) - Santana é um lugar abençoado entre o Alto da Fé no Monumento e o Cruzeiro no Domingos Acácio, o Cristo a sul, e o Santa Sofia a norte. São José traz chuvas, São Pedro prosperidade. São Cristóvão protege os motoristas, Sra. Santana a nós todos, São Sebastião, Nossa Sra. Assunção... Fé é fundamental. Há uma certa descrença nos políticos, isso tem remédio?
CSL - Essa pergunta deveria ser feita ao seu pai, meu padrinho, pois o farmacêutico é ele.
(J) - Boa sugestão. Ótima lembrança! Vou perguntar sim. E estender a pergunta que não cala aos "raizeiros" da feira santanense, vedete sempre renovada, clicada dezenas de vezes mês passado por Malta . . . Quais as suas lembranças mais vivas da nossa feira?
CSL - Eu ia citar o mercado de carne, mas, neste caso, as lembranças estão quase todas mortas. Bom, vivo mesmo, na feira, era aquele camarada do jogo das três tampinhas e uma bolinha. Um show, somente comparado ao que é jogado na Câmara Municipal.
(J) – Poderia citar alguns doidos santanenses de sua época?
CSL - Acho que bastaria citar uns poucos santanenses ajuizados. Se ainda estiverem vivos, existe sempre a possibilidade de não terem endoidado. O resto...
(J) – A frente da capela de N.S. da Assunção foi gradeada, isolaram os degraus, impedindo que os neomaloqueiros usem aquele espaço. O que você acha dessa medida?
CSL - Errada. Bastava trocar a santa. Santa Madalena, por exemplo, não ia se incomodar de ocupar o altar, pois já conhece tudo sobre aquelas conversas da maloqueirada.
(J) – Ipiranga ou Ipanema?
CSL - Ipanema, claro! Eu nem conheço esse rio Ipiranga.
(J) – Flamengo, Fluminense, Vasco, ou Botafogo?
CSL - Eu era criança, mas ainda me lembro bem. Telê, Homero e Benedito Malta queriam me obrigar a escolher um desses clubes. Cada um queria que eu escolhesse um dos times pelos quais eles torciam. Benedito prometeu me dar uma revista se eu escolhesse o dele. Topei. Fiquei com a excelente revista. Mas não me lembro qual foi o clube.
(J) – São Paulo, Santos, Palmeira ou Corinthians?
CSL - Bom, se eu não me lembro do time carioca pelo qual torço, imagine do paulista! Apesar de ter morado alguns anos em São Paulo, eu só me lembro que foi lá que comi a melhor feijoada carioca. Em compensação, é no Rio que se encontra o melhor viradinho à paulista.
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