CIDADE DOS SONHOS PERDIDOS

Cicero de Souza Sobrinho (Prof. Juca)

O homem é precípuo por natureza, por querer divino e universal. E o estudo histórico das estruturas relacionais e organizacionais de qualquer sociedade possibilita a compreensão da condição humana, assim como da efetivação das ações de cada individuo.
A muito, muito, muito tempo atrás havia um lugar quase que mágico, um lugar onde a natureza se completava e se locupletava com os seres que ali viviam... Eram veados, emas, raposas, rolinhas, pardais, preás, teiús. Enfim, uma diversidade de espécies vivendo em perfeita harmonia com o ambiente. E no meio de tudo isso o animal rei: o homem, na sua representação mais pura e que mais se achegava à imagem da Divindade: o índio! Em sua plenitude de sabedoria e ligação com a terra mãe! Vivendo da terra, na terra e para a terra... ali naquele lugar homem e natureza se fundiam e cresciam mutuamente em respeito, força e vida... a condição era só uma: viver, viver livre e espontaneamente. Homens, mulheres, crianças e idosos comungavam da terra e do pão em harmonia com o celestial e com terrestre. Não havia preocupação em juntar, não havia anseios por status, pois todos eram iguais, todos eram homens, todos tinham as mesmas necessidades, assim, caçavam juntos, pescavam juntos sem divisões de cercas, sem um levar vantagem sobre o outro. Juntos se tornavam “UM” e esse sentimento quase que pueril era uníssono, e, por muito tempo viveram assim, em paz.
Mas como o “progresso” e a “conversão” DEVEM chegar sempre aos povos “bárbaros”, o homem branco chegou... só que não veio só, trouxe consigo seus bacamartes, floretes e espingardas... trouxe a morte e o nome de Deus, escondido no arcabouço da ganância! E quando chegou perseguiu, matou, torturou!!!
E o homem que era a imagem mais pura e próxima da divindade passou a ser bicho, a ser indigno do convívio com a terra que antes, bem antes era sua por direito. E esse homem viu seus amigos morrerem aos montes; suas mulheres estupradas; seus velhos ridicularizados... e os “superiores” tomaram para si o paraíso. Aos que restaram, só havia uma saída: fugir.
Assim apareceu a fazenda, depois a vila e por fim a cidade. E a cidade cresceu e foi perdendo aquela semelhança com o paraíso, tornou-se festeira; festejante; festejada; corrupta e corrompida; violenta e violada; viciada e viciante; vendida e vendável; tornou-se uma mãe de vários filhos e nenhum pai... tornou-se uma mulher velha e prostituída (que ao que parece, jamais teve uma infância “enquanto cidade”); tornou-se alucinada, traficante e viciada em crack, maconha, tíner e cola. A cocaína ela só usa quando quer se mostrar na furna.
Agora os “nativos” da “terrinha” usam celular, mandam e-mails, estão conectados no ciberespaço, não possuem aquela ligação com a terra como tinham os antigos.
Séculos depois pelas ruas o que se ouve é um burburinho nefasto de estranhos que são alheios a historia e costumes. Mas isso não importa, pois o povo não se importa, está mais preocupado em dançar e beber. As questões do passado afloram e se fazem ouvir, mas, ninguém quer escutar... pra quê?
As pessoas têm pressa para se arrumar para a festa de logo mais, pois a banda é boa... vai ser demais, vai dar par ouvir e dançar o “rebolation”... Assim como foi no passado distante, o progresso chegou, só que desta vez não há mais o bacamarte, o florete ou a espingarda, agora é na base do pão e circo.
O que esperar de um povo sem pensamento e de atitudes esquivas? O que esperar de um povo que irremediavelmente desconhece seu passado e se nega a entender, saber, se formar, preferindo a esmola, a mendicância moral; um povo que vive em letargia mental? Um povo que se esconde e se desconhece??? Esse povo só poderia viver na cidade dos sonhos perdidos
A “Cidade dos sonhos perdidos” é a *shangrilá mental, local onde são depositados os enleios, dúvidas, medos e angústias. E onde a estupidez e demência imperam.

_______________________
* Ver James Hilton-1925 - LITERATURA

Comentários