NÃO TINHAMOS MAIS NOME, NÓS NÃO TINHAMOS ROSTO

Pe. José Neto de França

Um dia, enquanto recuperava-me de um probleminha de saúde, para não está sem exercitar a memória, resolvi assistir um filme que retratasse algum período histórico. Entre tantas opções disponíveis, optei por “O menino do pijama listrado”.

Adaptado de um best-seller (The Boy in the Striped Pyjamas) de autoria de John Boyne escrito em 2006, essa história fictícia, mas baseada em fatos dos horrores do holocausto foi para a tela do cinema em 2008.

Durante uma hora e trinta e quatro minutos do filme, a história em si, como ficção, não deixa de ser interessante, é capaz de prender nossa atenção até o fim, embora esse fim não seja como nos “contos de fadas antigos” ou como gostaríamos que fosse (quem quiser saber, assista ao filme).

Porém, a história em si, para quem já estudou ou pelo menos leu artigos, livros, ou assistiu a algum documentário sobre essa terrível praga, que foi o período do nazismo alemão, percebe, já de imediato, que ela destoa dos verdadeiros fatos históricos.

A história gira em torno de uma criança alemã, Bruno, que, tendo que se mudar com sua família para uma propriedade próxima a um campo de concentração, longe dos amigos de outrora, acaba fazendo amizade com um menino judeu, Shmuel, por uma das cercas do tal campo. Isso se deu pelo fasto de que seu pai, Ralf, um nazista de alto escalão foi promovido e transferido para comandar o campo de concentração.

Na nova casa, sem poder frequentar regularmente uma escola, seus pais trazem um “tutor” que procura doutrinar não somente a Bruno, mas também a sua irmã, no regime nazista (os judeus como inimigos e os alemães como os salvadores da nação). Sua irmã começa a acreditar no regime alemão, mas Bruno tem dúvidas...

Os encontros entre Bruno e Shmuel são impactantes, embora fujam a realidade do que foi, de fato, os campos de concentração. Historicamente, mesmo na idade de Bruno, não existia essa ignorância que ele parece ter sobre o nazismo. A doutrinação começava muito cedo e eles, por exemplo, se sentiam orgulhosos pelo fato dos alemães estar em guerra buscando se tornar uma potência mundial.

Embora saibamos que milhares foram mortos nos campos de concentração, só encerrando esse ciclo de horror com o fim da guerra, e que o final do filme, de certa forma, já era de se esperar, o filme prende o expectador mais em Bruno e sua família e coloca em segundo plano o principal, Shmuel e os judeus (e algumas minorias) presos. Tanto é, que Shmuel aparece como alguém que não possui uma personalidade ou individualidade que leve o espectador a criar alguma conexão emocional com ele.

Algumas falas proferidas pelos personagens do filme nos leva a reflexão:

Na festa da despedida antes de assumir seu novo posto como um dos chefes da SS nazista, num diálogo entre a avó paterna e o pai de Bruno, quando ela lhe recrimina pela sua postura atual, ele em voz baixa denotando receio, diz: “...Você deveria ter cuidado. Expor seu ponto de vista publicamente pode te colocar em problemas. Sabe disso!” De fato, quem vive submisso a uma ideologia funesta, está podado indubitavelmente de sua liberdade.

Já na “nova” casa, num diálogo entre Bruno e seu pai, quando Bruno se refere aos “vizinhos fazendeiros (presos do campo de concentração), que andam de pijama, seu pai diz: “Elas não são pessoas, de forma alguma...” Palavras que nos faz pensar na necessidade de convivência com todas as culturas...

No primeiro encontro entre Bruno e Shmuel, quando Bruno pensa que o número na camisa de seu amigo faz parte de um jogo e Shmuel responde: “é só meu número. Cada um recebe um número diferente.” Isso nos alerta de quando um ser humano perde seu status de humano e passa a ser somente uma estatística. E, ainda pior, fadada a cultura de morte.

Em uma conversa entre a mãe de Bruno e um subalterno de seu esposo, quando este, referindo-se ao mau cheiro no ar, decorrente da fumaça que saia das chaminés do crematório do Campo de Concentração, diz, sem saber que ela desconhecia a verdadeira missão de seu esposo: “Eles fedem ainda mais quando queimam. Não é mesmo?” É terrível quando o ódio e o desrespeito pelo outro destrói a unidade entre as pessoas.

À mesa, durante uma refeição o pai de Ralf, pai de Bruno, referindo-se ao trabalho de seu filho naquela localidade (chefe do campo de concentração), diz: “O trabalho que o seu pai está fazendo aqui está construindo a história”. A vanglória do que leva o homem à morte, jamais se justifica diante de qualquer argumento.

Acabado de assistir essa obra cinematográfica, ainda interessado em algo do gênero, fui à internet e pesquisando outras mídias sobre o holocausto, assisti ao documentário no Youtube, “Os horrores de Auschwitz”, onde sobreviventes de Auschwitz relatam os horrores vividos nesse campo de concentração, e pedem que ensinemos as crianças, desde muito cedo a não odiar outra criança porque seja negra, branca ou amarela...

Chamou-me a atenção nesse segundo vídeo a fala de Alexandra Borisowa, uma sobrevivente de Auschwitz: “Quando chegávamos a Auschwitz, um número nos era tatuado. A partir de então, não tínhamos mais nome. Nós não tínhamos rosto”.

No filme “O menino do pijama listrado”, há um momento que Bruno pergunta a Shmuel se o número de seu “pijama” camisa é uma brincadeira e ele responde que naquele lugar, todos recebem um número diferente...

Refletir sobre os diversos momentos históricos da humanidade é importante para que tiremos lições do que foi negativo para não cometermos mais e do que foi positivo para que possamos melhorar ainda mais... O que não podemos é deixar de refletir...

Enigmas da vida!

[Pe. José Neto de França]

Comentários