Na linha do tempo da vida de cada um de nós, fazemos amizades que se firmam não somente no mundo temporal, mas por toda a eternidade.
No contexto existencial, partindo do ponto de vista cristão que é o de não cultivarmos inimizades, amigos são quem quer que seja que esteja diante de nós, mas que não tenhamos aquela segurança no que diz respeito a confiança que possamos depositar neles. Já os “amigos”, esses especiais, são aqueles nos quais temos uma afinidade maior e, também, nos quais temos uma grande confiança. Rodolfo, para mim, foi um grande “amigo”. Através dele e de seus pais, conheci também seu irmão Douglas.
Meu parente, tanto do lado de seu pai, o Sr. Francisco, como pelo lado de sua mãe, Sra. Amparo. Só vim ter uma maior aproximação de sua família a partir do momento que assumi a paróquia de São Cristóvão de Santana do Ipanema, em fevereiro de 2004.
Foi entre 2006 e 2007 que conheci o Rodolfo.
Tinha definido com a equipe de apoio da paróquia, que celebraria uma missa no início da noite de todas as terças-feiras na capela de São José, no bairro da Cohab Velha. Os pais de Rodolfo residiam bem próximo a esse bairro e, sendo muito católicos, começaram a frequentar assiduamente essas missas, levando o seu filho Rodolfo.
Observando aquele pré-adolescente, galeguinho, franzino, educado, demonstrando apego a sua família; percebendo a atenção que ele dava a celebração, no que acontecia no altar e como os coroinhas agiam e, vendo o carinho com o qual, seus pais o tratava e, ainda, sabendo ser meu parente, fez-me focar nele.
Em uma dessas missas, após a bênção final, desci os degraus do altar e fui até onde ele estava, com seus pais. Cumprimentei seu pai e sua mãe e perguntei o nome dele. Ele, acanhado, mas com os olhos brilhando, respondeu:
- Rodolfo!
Disse-lhe:
- Gosta de vir à missa com seus pais?
Ele, ansiosamente, mas ainda acanhado, respondeu:
- Sim!
Nesse momento fiz-lhe o convite:
- Você gostaria de ser coroinha?
Senti que ele aumentou ainda mais a ansiedade. Olhou para seus pais, olhou para mim, olhou, de novo, para seus pais; então sua mãe falou:
- Responda, Rodolfo! Quer ou não ser coroinha?
Antes dele responder, lhe disse:
- Não se preocupe pois, no início, você vai apenas observar os outros ajudantes servirem o altar. Só depois quando você sentir segurança é que irá servir como os outros.
Rodolfo, então, disse:
- Quero!
Dei-lhe um abraço e me despedi deles. Soube mais tarde, pela sua mãe, que Rodolfo ficou imensamente feliz com o abraço que recebeu de mim.
Seus pais ficaram agradecidos o convite que fiz a Rodolfo. A partir desse dia, aproximei-me ainda mais de sua família tanto nos trabalhos da igreja como na frequência a sua residência e eles à minha.
Fiquei sabendo que seu pai tinha uma apicultura artesanal. Muitas vezes ele levou ou pediu que Rodolfo levasse até a casa paroquial produtos dessa apicultura (mel). Ele, seu pai, trabalhou voluntariamente por muito tempo comigo na Casa do Menor, módulo de Santana do Ipanema (a matriz fica em Rio de Janeiro-RJ); uma casa que acolhe e atende, com o auxílio do juizado de menor e do Conselho Tutelar a menores de risco.
Sua mãe, além de uma excelente dona de casa, também era professora concursada e, na medida do possível participava dos trabalhos da comunidade católica, promovidos pela paróquia.
Seu irmão, quando o conheci, estava estudando em Maceió. Quando de férias, algumas vezes jogou futsal comigo no time da paróquia. Depois, ele fez o curso de Direito e, na atualidade trabalha no Ministério Público.
Rodolfo, depois que entrou para o grupo dos ajudantes do altar, aos poucos foi perdendo aquela timidez em relação a mim. Foi um dos que mais se aproximou de mim. Tinha por mim um grande respeito. Certa vez disse-me que me via como referência para a vida dele. Tinha-me por irmão, amigo, “pai”...
Nas viagens às missas ou outras atividades pastorais ao interior da paróquia às quais me acompanhava, quando estávamos só nós dois, aproveitávamos para falar da vida, dos diversos entraves do existencial, dos problemas relacionados à adolescência, das questões familiares, da interação entre pais e filhos, do futuro dele. Foi quando ele me revelou o desejo que ele tinha de ser médico. Disse-me que, se conseguisse alcançar essa graça haveria uma dupla alegria: A dele, pelo fato de ter alcançado um objetivo muito difícil, mas importante para a sua vida, e era o que ele queria; e, também, a alegria que daria aos seus pais, principalmente ao pai que, no passado teve, igualmente, esse desejo, o de ser médico, mas que por motivos diversos não foi concretizado.
Quando Rodolfo me fez essa revelação, disse-lhe que, se ser médico era seu maior desejo, ele tinha de focar nesse objetivo. Dei-lhe muitas dicas de estudo. Incentivei-o à leitura; a perseverança nos estudos; à superação dos desafios, quaisquer que fossem eles...
Sem demagogia, ele apreciava muito meus escritos, minhas composições... Dizia ele que o que eu produzia no campo literário mexia, positivamente, com seu interior; fazia-o pensar...
Apesar da tenra idade do Rodolfo, ele me surpreendia com seus argumentos. Era um adolescente/jovem que estava um pouco além dos outros de sua faixa etária.
Logicamente que, quando estávamos sós ou mesmo acompanhados de outros ajudantes, tínhamos nossos momentos de resenhas descontrações... Faz parte da vida.
Quando deixei a paróquia no final de fevereiro de 2011, me transferindo para a paróquia de Santo Antônio de Pádua de Major Izidoro/AL, ele, pouco tempo depois, afastou-se dos trabalhos paroquiais da paróquia de São Cristóvão.
O tempo foi passando e ele ingressou no IFAL de Palmeira dos Índios, para o curso de Edificações. Estranhei, o fato de um curso técnico na área de exatas, quando ele havia me falado anteriormente sobre a área da saúde. Mas, tudo bem. Conforme o conhecia, sabia que ele devia ter noção do que estava fazendo. Tanto estava que, durante o curso ele, com um grupo de colegas desenvolveram um projeto que foi premiado e o grupo foi apresentá-lo (o projeto) na Europa. Ficou imensamente feliz. E eu também.
Concluído Edificações no IFAL, fez as provas do ENEM pensando em medicina, mas alcançou pontuação somente para Direito.
Numa conversa que tivemos, eu o questionei, mais uma vez, entre tantas, se era realmente o curso de Medicina que ele queria. Outra vez ele confirmou. Então o orientei a entrar em um cursinho de qualidade e, se fosse possível, adquirisse um professor ou professora, à parte, de redação. Se ele focasse nessa preparação, eu tinha certeza de que ele alcançaria. Senti firmeza nele.
Aconteceu o que havíamos previsto. No ENEM seguinte ele foi classificado para o curso de medicina da UFAL/Maceió.
A partir de sua entrada na UFAL, poucas vezes pessoalmente, mas muitas vezes através das redes sociais, whatzap e principalmente o Instagram, mantivemos uma comunicação mais constante.
Em nossas conversas ele falava dos desafios do estudo universitário, os graus de dificuldades do curso de medicina e, quase que constante, sobre questões existenciais.
Rodolfo era, não mais um adolescente, mas um jovem muito ativo interiormente, e com um propósito bem definido: ele sendo médico e o apego a família.
Há mais ou menos um ano que ele estava querendo se encontrar comigo. Mas suas atividades universitárias e meus trabalhos pastorais nunca proporcionava momentos que pudesse concretizar esse encontro
Exatamente nos dias 07 e 08 de março desse ano de 2020, tivemos nossa última conversa, pelo whatzap. Foi assim:
Era 22h29 do dia 07/03, disse-lhe:
- Boa noite, meu amigo...
Às 23h12, ele respondeu:
- Boa noite, padre. Como o senhor está?
Às 23h21, respondi:
- Na luta. E você?
No dia 08/03, às 00h03, em referência a minha resposta, “na luta”, Rodolfo respondeu:
- O famoso #euquelute
Depois às 00h04, disse-me:
- Estou preparando meu espírito para descansar por algumas horas porque amanhã tenho plantão das 7h. Ainda bem que Deus tudo vê e pode. Quando o Senhor vem à Maceió?
Como acabei cochilando e dormindo, devido a hora, respondi somente às 06h20:
- Sábado para aula na UNINASSAU...
Às 14h29, ele perguntou:
- Tem tempo livre para tomarmos um café?
Nem precisei responder. Pela nossa maneira de conversar, ele sabia que eu indo à aula no sábado seguinte, com certeza telefonaria para ele e marcávamos esse encontro. Acontece que foi quando, por causa da pandemia do “coronavirus” que assola o mundo inteiro e, claro, o Brasil, o governo estadual baixou um decreto obrigando as escolas a cancelarem as aulas presenciais. Soube depois, pelo seu pai que, mesmo que eu tivesse ido, não teria sido possível ter me encontrado com ele, pois ele teve plantão. Ele já estava no último ano de Medicina.
Na terça-feira, 01 de abril, estava me preparando para descansar um pouco, pois tinha acabado de almoçar, quando recebi um telefonema do pai de Rodolfo. Ele pedia para que eu rezasse por seu filho Rodolfo, que estava internado e entubado na UTI do HGE em Maceió. Os médicos estavam suspeitando de que ele tinha tomado remédios, em dosagem alta, para dormir.
O choque foi tamanho que, imediatamente o telefonema, fui a Santana do Ipanema, onde seu pai estava, para conversarmos pessoalmente.
Chegando à Santana, me encontrei com o sr. Francisco. Ele estava muito agitado. Falou tudo que estava sabendo sobre o problema e mais uma vez pediu orações pelo seu filho e pela família.
Após uns quarenta minutos de conversa, agradeci por ter se comunicado comigo e disse-lhe que me mantivesse informado.
Saí e fui fazer uma visita a um de meus filhos de criação, o Luis Neto. Após uns vinte minutos que estava em sua residência, recebi outra ligação do sr. Francisco. Agora para me avisar que Rodolfo tinha falecido.
O choque, em mim, foi ainda maior. Fiquei extremamente comovido; como um pai que “perde” o seu filho.
Fiquei o resto da tarde em Santana do Ipanema, depois, arrasado retornei à Major Izidoro.
Na manhã do dia seguinte, 02 de abril, fui até a OSACRE de Santana do Ipanema, onde seu corpo estava sendo velado.
Chegando, conversei longamente com o sr. Francisco e a sra. Amparo, pais de Rodolfo. Eles estavam dilacerados com o óbito de seu filho. Sua mãe me falou dos últimos dias de seu filho, inclusive, confirmando que ele, Rodolfo, tinha comentado com ela sobre o cafezinho que ele queria tomar comigo.
Infelizmente esse cafezinho foi adiado, para “tomarmos” um dia na eternidade...
Eram, aproximadamente 10h40 quando me dirigi até a esquife onde estava a “veste da alma” de Rodolfo – seu corpo – e fiz uma oração silenciosa pela alma desse meu grande “amigo”. Depois, conversei um pouco mais com seus pais e, em seguida, retirei-me...
Ao retornar à Major Izidoro, enquanto dirigia o veículo da paróquia, lembrei-me de uma frase que Rodolfo tinha postado no seu perfil do facebook que, assim, dizia: “A HUMANIDADE É O LIMIAR ENTRE O DÉDALO E O ÍCARO”.
“Na mitologia grega, Dédalo era um homem muito inteligente, além de ser inventor. Ele tinha um filho chamado Ícaro. Dédalo construíra um labirinto para o rei Minos, de Creta. O labirinto servia de prisão para um monstro, o Minotauro. Um dia, o rei descobriu que Dédalo havia revelado o segredo do labirinto. Irritado, mandou prender Ícaro e Dédalo no cárcere que o inventor planejara. Dédalo fez asas de cera e de penas para si próprio e para o filho Ícaro. Com elas, os dois poderiam voar e escaparem do labirinto – prisão – em que estavam aprisionados. Dédalo recomendou que Ícaro não se aproximasse muito do Sol, pois o calor derreteria a cera das asas. Pai e filho escaparam com facilidade do labirinto, mas depois Ícaro, encantado com o voo, continuou subindo. Como Dédalo previra, o Sol derreteu suas asas. Ícaro caiu no oceano e morreu...” (https://escola.britannica.com.br/artigo/Dédalo/481098)
É... Mais um amigo que partiu para o coração de Deus!!!
Descanso eterno dai-lhe Senhor... Que a luz perpétua o ilumine!!!
Enigmas da vida...
EGO, ME IPSO!!!
[Pe. José Neto de França]
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