POR QUE AS PESSOAS NÃO QUEREM SENTIR O QUE É REAL?

Luciene Amaral da Silva

Talvez isso sempre tenha acontecido, só que atualmente as pessoas cada vez mais estão em busca de prazer e satisfação, só isso. Mas viver é feito também de decepções, tristezas, angústias. O que está acontecendo é que cada vez as pessoas estão buscando sentir apenas coisas boas (então isso não é vida).

Fugir do que nos aflige, da tristeza, das decepções causa mais sofrimento que enfrentar e passar pelas situações. Passar por elas, aprender como resolver, encarar que as pessoas não podem viver dentro dos moldes que estabelecemos ser o certo, é o que nos torna vivos no final.

O filme “Brilho eterno de uma mente sem lembranças”, do diretor Michel Gondry, de 2004, ganhador do oscar de melhor roteiro, traz a história contada por Joel (Jim Carrey) e Clementine (Kate Winter), em que buscam apagar de suas memórias experiências negativas que viveram um com o outro.

Clementine participa de um procedimento médico experimental para apagar as lembranças que tinha de Joel, um relacionamento que não deu certo, então como não conseguia conviver com essa experiência que lhe trazia dor, o remédio que ela encontrou foi apagar essa memória.

Ao descobrir que Clementine tinha feito isso, e tinha continuado sua vida com outra história de amor, esquecendo Joel de vez, ele também decidiu procurar a mesma clínica para poder realizar o procedimento.

O médico disse a Joel que para poder esquecer do que tinha vivido com ela, ele precisava lembrar dos mínimos detalhes da vida com ela. Durante o procedimento, Joel começa a lembrar de todos os momentos que viveu com Clementine e percebe que também tiveram momentos bons, assim como em todos os eventos da vida diária, em todas as experiências que constitui nosso repertório de aprendizagem.

E durante o procedimento, Joel percebeu que foi pelas coisas boas viveu com Clementine, que o fizera se apaixonar por ela, e que não valeria à pena esquecer e tirá-la da sua vida porque ela era o lugar onde ele queria estar.

É isso muitas vezes que tentamos fazer em nossas vidas: apagar as coisas ruins e difíceis pelas quais passamos. E muitas vezes nos pegamos dizendo que se voltássemos ao passado faríamos tudo diferente.

No entanto, nos esquecemos que só temos a ideia de tentar fazer diferente porque já vivenciamos aquela experiencia e foi ela que nos fez ver que deveríamos ter feito diferente e com ela buscamos não repetir mais.

Somos constituídos de experiências. Somos um amontoado de vivências: positivas e negativas. São elas que nos direcionam para onde devemos ir. Se o resultado foi positivo, então seguimos em frente, se o resultado foi negativo, traçamos outra rota.

Sem testar, sem arriscar, sem buscar conhecer, não sabemos que direção seguir. Encontrar tudo pronto, não seria a construção da sua vida. Pegando pronto e buscando não errar é viver a vida de outra pessoa.

É isso que nos aproxima como humanidade, a capacidade de construir nossas próprias vivências. Quero viver minha vida, acertando e errando (querendo acertar mais). Não quero que apaguem as lembranças das quais me marcaram.

Se elas aconteceram (mesmo não tendo sido pela minha vontade – traumas), agora fazem parte da minha história e vou precisar lidar com elas (mesmo querendo que fossem apagadas).

O que posso fazer por mim é seguir em frente e buscar nunca mais repetir as mesmas coisas, mesmo sabendo que lutamos para reduzir a frequência dos nossos erros. Nunca errar está longe de ser real. Como Joel e Clementine, a única coisa que podemos fazer por nós, é recomeçar.

Luciene Amaral
@lucieneamaral

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