LERAM O LIVRO ERRADO

Luciene Amaral da Silva

Leram para mim o livro errado e na introdução nunca veio dizendo como nós fomos criados cercados de discursos e de ideias de que a vida era “viver feliz para sempre", trazendo uma ideia romantizada e ilusória. Ao contrário, nas páginas desse livro, dizia que meu príncipe encantado iria vir num cavalo branco, iria me proteger pelo resto da minha vida.

E que no meu trabalho, eu seria sempre bem quista e admirada por todos. Que seria muito bom trabalhar, que cada um iria desenvolver seus objetivos e juntos coletivamente nós iríamos conquistar melhorias para todos.

Que era muito fácil realizar sonhos, pois só precisava acreditar neles que eles iriam ser realizados. E essas ideias sempre foram apresentadas pelos filmes, pelos programas de TV, pelas redes sociais, sendo confirmada por todos que estavam ao nosso redor, também com as vendas nos olhos.

E que eu, como a Gata Borralheira, vou encontrar um príncipe milionário que vai casar comigo e que vai me fazer feliz sempre. Que não haverá nenhum sofrimento porque tudo que vier, o dinheiro vai resolver.

Só que de repente, quando eu me acordo, abro o olho, percebo que tudo isso foi uma ilusão. E isso causou muito sofrimento. Percebi que o mundo real começa logo lá com meus vizinhos, quando criança, porque descobri que não tinha ninguém desse jeito, sendo legal e amoroso comigo igual nos desenhos. Vejo que tem muita briga por todo lado. Todo mundo querendo espaço, querendo seu território, cada um lutando pelo seu espaço.

E aí fico conflituosa porque eu não sei mais o que é coletivo dentro dessa individualidade e quando chego na escola, misericórdia, quem foi que fez a escola? Tem duelo todos os dias. E nem vou falar do desafio do intervalo.

E descubro no ambiente escolar que vou precisar fazer alianças, que vou precisar de amizades que possam me proteger, aprendi a desenvolver estratégias e habilidades para lidar com cada situação e descobri as disputas pela atenção da professora. Ah meu Deus! quantas disputas, e fico me perguntando onde era que estava escrito isso que ninguém me falou que também tinha?

Comecei a me tornar jovem, adulto e comecei a descobrir que a escola tinha sido um pequeno treinamento para o que a vida profissional reservava para mim. E passei a desenvolver mais habilidades para lidar com cada situação nova que aparecia.

Descobri o lugar da força e da fragilidade dentro das relações. Como cada uma é vista pelos grupos. Quem resiste mais e quem cai com maior facilidade. Mesmo continuando a ouvir discursos que não estavam coerentes com a realidade.

E ainda estou esperando o príncipe encantado. Parece que “cavalo branco” tá meio difícil na minha região. Tem muito cavalo de outras coisas, mas não tem o “cavalo branco” como contaram nos contos de fadas. Fadas, até rio, porque nunca vi nenhuma. Se fosse contos de boi, vaca, carneiro ou galinha, poderia até querer acreditar.

Mas, às vezes, surge um um homem comum, tranquilo que quer dividir a vida dele comigo. Que quer construir uma vida junto comigo e às vezes eu dispenso porque ele não está dentro dos protótipos, dos padrões que me disseram, lá naquele manual de uma vida feliz, que ele deveria vir pronto, completo e rico para me proporcionar uma vida de princesa.

E aí com o passar do tempo, chego aos meus 30 anos, chego aos 40 anos e começo a perceber que me contaram a história errada. Leram para mim o livro errado. E depois de tudo isso que passei, eu consigo reescrever um livro dizendo que dá sim para vencer, mas não daquele jeito.

A questão toda é que a vida não é só amor, e a vida não é só dor. A vida é o que ela e a vida é fruto das nossas escolhas e das condições das escolhas que temos. Nem sempre temos condições apropriadas para tomar boas decisões, mas a gente começa a perceber que havia outra forma de produzir sua vida.

Fizeram essa história para nós então quando a gente percebe que a vida é o que ela é a gente vai enfrentar as coisas quando elas vem

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