Pelas andanças em busca de um mundo melhor, trilhando pelos caminhos das letras, leituras e contações de histórias, recebi com muita alegria a indicação para ver o filme ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA, baseado na obra de mesmo nome do escritor português José Saramago, único escritor do país a receber o prêmio nobel de literatura.
Para não cometer o desatino de me arrepender depois, resolvi antes de ver o filme, ler o livro. Procurei a obra durante a VII Bienal Internacional do Livro de Alagoas, realizada o período de 20 a 29 de novembro de 2015 e não encontrei, ou a busca não foi apurada; o certo é que voltei para Santana do Ipanema com esse desejo.
Como assíduo frequentador dos sebos virtuais, pesquisei e comprei o livro editado pela Companhia das Letras, edição 2007 40ª impressão e ao iniciar a leitura achei algo estranho: o português não era o nosso. Voltei a ficha técnica do livro e encontrei a seguinte expressão: “Por desejo do autor, foi mantida a ortografia vigente em Portugal”. Isso me fez viver uma grande experiência, pois em muitos momentos tive que recorrer ao dicionário e algumas vezes o que valeu mesmo foi a interpretação lógica da frase, expressão ou parágrafo inteiro.
Para evitar interferência de opinião, escrevo essa crônica, horas após de concluir a leitura e minutos antes de assistir ao filme.
A expectativa de ler o livro que tem como gênero literário o romance foi algo que ao final deixou marcas fortes. Espera-se de um romance a descrição de tempo, lugar e personagem que envolve a trama, isso o escritor português não o fez. A história inicia num semáforo, carros aguardando a luz verde e, de repente um não larga porque o motorista ficou cego. Pronto, alguém socorre esse cidadão e o leva para casa e depois vai a um oftalmologista para o diagnóstico, que dias depois dicou denominada de cegueira branca, pois em vez de escuridão essa pessoa só tinha em sua tela visual uma nata branca. Nesse ponto três personagens começam a surgir e Saramago assim denominou: o primeiro cego, o médico e a mulher do médico.
A trama continua e acrescenta-se a ela a mulher do primeiro cego, uma jovem denominada de rapariga de óculos escuros, possivelmente amante do médico e um jovem denominado de garoto ou rapazinho estrábico. Mais tarde chega mais um, e mais uma vez sem nome, apenas com a alcunha de velho da venda preta. Depois de algum tempo aparece mais um cachorro, que por lamber as lágrimas de uma das mulheres, foi apelidado de cão das lágrimas e também fez parte na história.
Pronto! É com esses personagens o escritor cria uma bela trama envolvendo pessoas de uma cidade inteira, um país inteiro e quem sabe o mundo todo que ficaram cegas a partir do contato com aquele cidadão do semáforo, o primeiro cego, com exceção da mulher do médico, a única pessoa que não foi afetada pela epidemia; viveu, acompanhou os horrores e tornou-se protagonista da história.
São narrativas de arrepiar; Eu que adoro suspense e gosto muito de ler, tive que parar a leitura várias vezes por causa do impacto da história e o horror apresentado pelo narrador. Porém não passou pela minha cabeça abortar a leitura, pois o enredo era fascinante e o desfecho foi muito esperado.
Embora não tenha descrição de local, tempo ou personagens, pois todos os envolvidos são tratados com adjetivos na sua maioria esdrúxulos, Saramago consegue prender a atenção do leitor. Eu sentia-me na trama como um expectador anônimo, vendo a cena nos mínimos detalhes.
As vezes, mesmo diante da aspereza da condição o escritor faz descrições poéticas como “ Tirante o pó doméstico, que aproveita das ausências das famílias para docemente se pôr a embaiciar a superfície dos móveis, diga-se a propósito que essas as únicas ocasiões que ele tem para descansar, sem agitações de espanador ou de aspirador”… (p257), falando da poeira dos móveis de sua casa. Em outras descreve cenas que causam certa repugnância vejamos: “Numa praça rodeada de árvores, com uma estátua ao centro, uma matilha de cães devora um homem. Devia ter morrido à pouco tempo os membros estão rígidos, nota-se quando os cães sacodem para arrancar ao osso a carne filada pelos dentes. Um corvo saltita à procura de uma aberta para chegar-se também à pitança. A mulher do médico desviou os olhos, mas era tarde demais, o vómito subiu-lhe irresistível das entranhas duas vezes, três vezes como se o próprio corpo, ainda estivesse a ser sacudido por outros cães… (p.251).
Ler ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA é no mínio uma forma de mergulhar num universo de várias interpretações. Talvez seja necessário um aprofundamento filosófico da história. Será que a cegueira que José Saramago colocou em seu romance é mesmo dos olhos físicos. E o final da história? Claro que ão vou contar, pois desejo que vocês possam também ler a obra e tirar suas conclusões. Por ora uma pergunta ficar no ar: diante de tantas informações e um mar de desafios será que enxergamos bem as coisas?
Bem! Agora vou ver o filme.
Santana do Ipanema – AL, 10 de janeiro de 2016
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