A PEIXEIRA DE LEÔNCIO SOLDADO
José de Melo Carvalho
Os policiais militares portam armas em virtude da profissão que exercem. Entendo e até concordo que deveriam ter, além da arma, mais apetrechos de segurança, como o colete à prova de bala, capacete ou qualquer outro instrumento que o protegesse ou o ajudasse no combate ao crime. São homens treinados em defesa pessoal e, com efeito, treinados para cuidar da segurança da comunidade, do cidadão. Aprendem em cursos ou em academias técnicas de defesa pessoal, como torção, imobilização e golpes, uso de armas, etc. Em fim, aprimoramentos e habilidades necessárias ao desempnho de sua profissão.
Algumas equipes usam diuturnamente diversos equipamentos como bombas de efeito moral, spray de pimenta, cães amestrados e outros dispositivos. A polícia quanto mais aparelhada mais segurança para todos. Os agentes e a população agradecem. Muito bom.
O Artigo 19 da Lei de Contravenções Penais reza que é proibido o porte injustificável de arma branca por qualquer pessoa. A faca peixeira materializa a arma branca, ainda mais quando portada por quem não tem bons antecedentes.
Como já tratei em outra matéria, a bodega de Gileno, um dos meus irmãos, vivia abarrotada de parasitos (meninos que não tinham o que fazer). Eram comuns os atos de molecagem e brincadeira que eles praticavam, desde a mexida com um bêbedo ou até mesmo com um doido, sem falar das pessoas outras que passavam em frente ao estabelecimento. Era praxe de a molecagem chamar o nome da pessoa logo após a passagem dela pela calçada. Chamada, a pessoa voltava-se para o balcão da bodega e ali não via ninguém. Os danados escondiam-se.
Naquele dia fatal, além dos habituês freqüentadores da bodega, estava presente Tonho Jacaré, que estagiava com a nossa turma. Egresso de Jacaré dos Homens procurava integrar-se no grupo de moleques, quase todos seus colegas de ginásio. O Tonho, já falecido, era cunhando de Zelito, fiscal do Banco do Brasil. Encontrava-se bem sentando num tamborete, olhando a rua. Divertia-se e tragava um cigarro após outro. Tossia constantemente. Procurava saber alguma coisa, para melhor enturmar-se.
Estávamos cursando a terceira série ginasial. Zé Pinto de Araújo era o diretor do Ginásio Santana, Dona Zélia, secretária, e seu Conrado, o professor de história. Era proibido fumar no ginásio, quanto mais ausentar-se da sala de aula com tal finalidade. Tonho, certa vez, conseguiu sair da sala de aula sem que o professor o percebesse. Fato inédito. Foi no exato momento em que seu Conrado estava escrevendo no quadro-negro.
O Sargento Leôncio, reformado da Polícia Militar de Alagoas, pai do companheiro Iran Perí, conhecido como Leôncio Soldado, nosso amigo de velhas pescarias, foi um dos componentes da força que fuzilou Lampião e demais cangaceiros na grota de Angicos, no vizinho Estado de Sergipe. Particularmente, acho que ele não deu nenhum tiro, tendo ficado escondido em algum lugar.
Bigode tipo mexicano, cabelos pretos, chapéu de feltro também preto, mal encarado, bruto que nem canto de cerca, segundo Munção, e forte que nem um touro. Nunca deixou de portar a doze polegadas, mesmo ao arrepio do que determina o artigo 19 da Lei acima citada. O revolver, não sei!
Ao passar pela bodega, Leôncio foi alvo da brincadeira dos rapazes, com o tradicional chamado. “Leôncio!”. Ele se vira e, não vendo ninguém, puxa a “viana” (a faca) e entra na bodega, esbravejando: “Quem foi o filho da puta que me chamou, amarelo sem-vergonha.” Dizia isso com um cigarro braço de judas no bico, apontando a arma para Tonho, que já era amarelo, ficou branco.
Os demais companheiros de brincadeira esconderam-se, como por encanto. A peixeira apontada sobrou para Tonho, coitado, que quase morre de medo. Na mão daquele soldado brabo, a peixeira mais parecia um facão.
Não sabia Tonho Jacaré que o velho sargento gostava desse tipo de brincadeira.
Maceió, março/2008.
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