UMA HISTÓRIA DE TRÊS JOÃOS (Porque pra mim Joões, só os de Garrincha)

Fábio Campos

Outro dia, voltando do bairro Camunxinga, ali próximo ao “vapor” da algodoeira Santanense. Ouvi alguém gritando chamando-me pelo nome. Era João Carnaúba. Conhecido de todos nós, por outros dois apelidos: João Branco e João Pênis. Cumprimentamo-nos na porta de sua serralharia, e ficamos bons momentos conversando. Falamos da nossa infância vivida no bairro monumento e sobre crônicas nossas aqui postadas, que relembraram também a ele, fatos pitorescos de nossos colegas, ao lê-las.

Um episódio engraçado envolvendo o próprio, rememorado por ele mesmo, passamos a contar agora:
Naquela época. Anos 70. As cédulas de dinheiro que circulavam no país, eram de cruzeiro novo. Tinha a nota de 01 centavo que trazia no anverso, dentro de uma moldura oval, a efígie de Getúlio Vargas, um Getúlio magro, sem papada, e com ar de quem nunca pensasse um dia em suicídio, vinha numa cédula esverdeada. A de 05 centavos trazia estampada, a princesa Isabel, com um cabelo e um colo gracioso, numa nota em tons azulados. Dom Pedro II, com ar severo e sua vastíssima barba, em tons avermelhados e marrons, figurava na nota de 10 centavos. O rei D. João VI, de bochechas salientes e olhar de mongol, emoldurava a nota azulada de 50 centavos. Pedro Álvares Cabral, por ser o descobridor, acho eu, mereceu figurar na nota de 01 cruzeiro novo. O mártir da Independência “O Tiradentes” aparecia na nota de 05 cruzeiros, avermelhada em tons azuis, com a moldura oval, inaugurando a posição do canto direito, ao invés de centro, como as outras. E fechando a série a nota de 10 cruzeiros que traz o semblante do “Pai da Aviação” Santos Dumont (o único com chapéu) numa cédula em tons prata e acinzentado.

As notas, se estragavam, como ainda hoje se estragam, pelo excesso de manuseio. Só que naquele tempo, demoravam a serem recolhidas pelo Tesouro Nacional. De modo que ficavam em circulação, mesmo estragadas, por mutilação, rasgões e riscos de caneta. O povo pra não perder, apelava pra criatividade, que ia, do recurso de colar papel manteiga no verso (nesse caso, uma recomendação dos bancos) ou eram remendadas com papel de embrulho e goma de fécula ou goma arábica. A fita adesiva só viria a popularizar-se tempos mais tarde.

É dessa criatividade que vai aparecer as notas “de duas cabeças”: Acontecia, quando alguém tinha em sua posse, duas notas mutiladas, acabava por optar em “fazer” das duas, pelo menos uma. Quase toda bodega tinha ao lado do caixa, um quadro, onde o proprietário expunha à apreciação pública as notas “frias”. Como a lhes servir de lição, para que não tornassem vítimas novamente de tais engodos.

João Carnaúba devia ter seus dez anos naquela época. De posse de uma nota de Cr$ 0,50 mutilada, tendo de papel moeda, apenas 60%. Teve uma idéia brilhante. Apelou pra uma figurinha do álbum de Artistas da Jovem Guarda, de mesma cor da cédula e preencheu o pedaço que faltava no dinheiro.
A segunda parte do plano: Sabendo que Seu João Soares, comercializava em sua mercearia, ali por trás da toca, um produto que interessava-lhe: Pirulitos. E já era sabido e notório, que “Seu” João, pela idade avançada, estava meio míope, não ia perceber o embuste na cédula do seu xará, Dom João VI em clima de iê-iê-iê.
O primeiro João, o Carnaúba chamou Marlon Santos, irmão de Marcos Davi. E pede pra ele ir comprar com aquela nota do João, O João VI, pirulitos pra os dois, na venda do outro João. E fica escondido na parte da frente da Toca aguardando. Momentos depois, sem que este percebesse, chega Marlon, conduzido pelo braço e Dona Dineusa, a esposa do dono da mercearia (minha mãe):

-João essa nota é sua?

Não teve outro jeito, se não assumir a autoria do plano que infelizmente não deu certo. Não daquela vez.

Fabio Campos 24/04/2010 *É professor do Estado e
do Município em S. do Ipanema – AL.
Contato: fabiosoacam@yahoo.com

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