Outro dia, voltando do bairro Camunxinga, ali próximo ao “vapor” da algodoeira Santanense. Ouvi alguém gritando chamando-me pelo nome. Era João Carnaúba. Conhecido de todos nós, por outros dois apelidos: João Branco e João Pênis. Cumprimentamo-nos na porta de sua serralharia, e ficamos bons momentos conversando. Falamos da nossa infância vivida no bairro monumento e sobre crônicas nossas aqui postadas, que relembraram também a ele, fatos pitorescos de nossos colegas, ao lê-las.
Um episódio engraçado envolvendo o próprio, rememorado por ele mesmo, passamos a contar agora:
Naquela época. Anos 70. As cédulas de dinheiro que circulavam no país, eram de cruzeiro novo. Tinha a nota de 01 centavo que trazia no anverso, dentro de uma moldura oval, a efígie de Getúlio Vargas, um Getúlio magro, sem papada, e com ar de quem nunca pensasse um dia em suicídio, vinha numa cédula esverdeada. A de 05 centavos trazia estampada, a princesa Isabel, com um cabelo e um colo gracioso, numa nota em tons azulados. Dom Pedro II, com ar severo e sua vastíssima barba, em tons avermelhados e marrons, figurava na nota de 10 centavos. O rei D. João VI, de bochechas salientes e olhar de mongol, emoldurava a nota azulada de 50 centavos. Pedro Álvares Cabral, por ser o descobridor, acho eu, mereceu figurar na nota de 01 cruzeiro novo. O mártir da Independência “O Tiradentes” aparecia na nota de 05 cruzeiros, avermelhada em tons azuis, com a moldura oval, inaugurando a posição do canto direito, ao invés de centro, como as outras. E fechando a série a nota de 10 cruzeiros que traz o semblante do “Pai da Aviação” Santos Dumont (o único com chapéu) numa cédula em tons prata e acinzentado.
As notas, se estragavam, como ainda hoje se estragam, pelo excesso de manuseio. Só que naquele tempo, demoravam a serem recolhidas pelo Tesouro Nacional. De modo que ficavam em circulação, mesmo estragadas, por mutilação, rasgões e riscos de caneta. O povo pra não perder, apelava pra criatividade, que ia, do recurso de colar papel manteiga no verso (nesse caso, uma recomendação dos bancos) ou eram remendadas com papel de embrulho e goma de fécula ou goma arábica. A fita adesiva só viria a popularizar-se tempos mais tarde.
É dessa criatividade que vai aparecer as notas “de duas cabeças”: Acontecia, quando alguém tinha em sua posse, duas notas mutiladas, acabava por optar em “fazer” das duas, pelo menos uma. Quase toda bodega tinha ao lado do caixa, um quadro, onde o proprietário expunha à apreciação pública as notas “frias”. Como a lhes servir de lição, para que não tornassem vítimas novamente de tais engodos.
João Carnaúba devia ter seus dez anos naquela época. De posse de uma nota de Cr$ 0,50 mutilada, tendo de papel moeda, apenas 60%. Teve uma idéia brilhante. Apelou pra uma figurinha do álbum de Artistas da Jovem Guarda, de mesma cor da cédula e preencheu o pedaço que faltava no dinheiro.
A segunda parte do plano: Sabendo que Seu João Soares, comercializava em sua mercearia, ali por trás da toca, um produto que interessava-lhe: Pirulitos. E já era sabido e notório, que “Seu” João, pela idade avançada, estava meio míope, não ia perceber o embuste na cédula do seu xará, Dom João VI em clima de iê-iê-iê.
O primeiro João, o Carnaúba chamou Marlon Santos, irmão de Marcos Davi. E pede pra ele ir comprar com aquela nota do João, O João VI, pirulitos pra os dois, na venda do outro João. E fica escondido na parte da frente da Toca aguardando. Momentos depois, sem que este percebesse, chega Marlon, conduzido pelo braço e Dona Dineusa, a esposa do dono da mercearia (minha mãe):
-João essa nota é sua?
Não teve outro jeito, se não assumir a autoria do plano que infelizmente não deu certo. Não daquela vez.
Fabio Campos 24/04/2010 *É professor do Estado e
do Município em S. do Ipanema – AL.
Contato: fabiosoacam@yahoo.com
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