INÁCIA ERA POLIGLOTA

Fábio Campos

É muito provável que a menção do nome da pessoa, significado nenhum, traga pra maioria dos que estiverem a ler esta crônica. Afinal ela, até onde eu saiba, jamais exerceu cargo importante, em qualquer esfera social. No entanto esse cronista, rebuscando as reminiscências, foi encontrar Inácia Maria da Conceição. Empregada doméstica na casa que viveu a infância. Na década de setenta, na Praça do Monumento.

Há muito, nada sabemos a seu respeito, se ainda vive. Mesmo assim, é a você Inácia, a que dedicamos esta crônica. Intencionamos homenagear desse modo, as mulheres desconhecidas, anônimas. Mulheres que todos os dias, vão à luta, sem esperar qualquer tipo de mérito pelo que fazem. Mulheres que esperam sim, serem respeitadas e amadas. Inácia, ainda que inconscientemente - nos seus modos e atitudes - impressões indeléveis, cravaria na alma, desse que escreve.

Conceição
Nos Estados Unidos, se valoriza muito o sobrenome, vem primeiro. O militarismo adotou este costume, também pro Brasil. Pesquisei o sobrenome da nossa saudosa empregada, está lá no site: “brasaodefamilia.blogspot.com O sobrenome Conceição, de origem Portuguesa e Espanhola Conception, era usado como um nome batismal, proveniente do latim CONCEPTIO fazendo referencia a concepção da Virgem Maria, era muito comum na Península Ibérica os pais batizarem os filhos nascidos nos dias em que era celebrada a Virgem Maria com o nome Conceição.”

Maria
Nossa empregada, apesar de não ter filhos, tinha o dom da maternidade. Dom pra cuidar de crianças: dar banho, alimentar, colocar pra dormir, contava-nos histórias. Mantinha a casa limpa e organizada. Em fim, era completa: Lavava, passava, engomava, cozinhava. E, se envolvia emocionalmente nos problemas de família, era como um parente. Hoje em dia, é necessário um batalhão de empregados para prestar cada um daqueles serviços. Mediante uma carga horária e salário pré-estabelecidos. Agora, com direito a férias, folga semanal e rescisão contratual, tudo como determina as leis trabalhistas.

Inácia
Tinha uma particularidade inconfundível: Era xucra nos modos, criada nas brenhas do sertão, tirada duma aldeia quilombola do tronco Nagô, lá do povoado Jorge. Fascinados ficávamos ao vê-la falar. Tinha momentos que não dava pra saber, se falava ou cantava. Espécie de sotaque de influência banto: Misturava termos africanos, indígenas com a língua portuguesa. Inácia era negra, gorda, afro-descendente. Lembrava nos modos, a atriz Hattie McDaniel interpretando a grandmama (ama seca) de Scarlet O’Hara no filme “E o Vento Levou...”. Eis alguns termos que fazia parte do vocabulário de Inácia: caxa de fófi (caixa de fósforo); azuniu (jogou fora); pastorá ( vigiar); munganga ( momice, careta ); papôco (estouro); presepada ( ridículo, esquisito ); reimoso ( prejudicial; ofensivo a saúde ); malamanhado ( desajeitado ). E se nós, as crianças “mangava” (escarnecer, fazer troça) desse seu linguajar, ela desconversava:

-Ô Menino! Deixe de palêio!

Fabio Campos 20.03.2012 Breve no Blog fabiosoarescampos.com Conto: “Tatuagens na Alma”.

P.S. Paleio s. m. 1 Conversa; 2. Lábia; 3. Festas ou carícias interesseiras; 4. Palavreado. (www.dicionáriopriberam.com.br)

Comentários