Quando se cogita de sacerdócio, de vida religiosa, logo vêm a nossa mente palavras como vocação, escolha, aptidão, sem as quais não se chega a seminário, à ordenação de padre.
Tenho a maluca mania de ler dois ou três livros ao mesmo tempo, debruçando-me, dessa maneira e por vezes, na leitura de um ou dois capítulos de cada autor. Assim vou diversificando a leitura de temas ou textos, lendo, calmamente, autores nacionais ou estrangeiros, sem correria, nem ansiedade. Mania mesmo, e nada mais que delicioso passatempo, sem nenhum sintoma de bravata literária ou de conversa de intelectual.
Às vezes, fujo dessa rotina, acelerando a leitura, quando se trata de livro de autor conhecido que me chega à mão, sobretudo o relacionado a relembranças, reminiscências ou memórias, minha seara predileta. Concluída a leitura, retorno às minhas veleidades literárias, costumeiras.
Agora mesmo, empenhado estou em ler três autores diferentes, relendo, entre os quais, Dom Casmurro, de Machado de Assis, clássico da literatura brasileira. Vejo, nos primeiros capítulos, a promessa que fizera D. Glória para levar o filho Bento ao seminário, para ser padre.
Bentinho, aos 15 anos de idade, que se criara ao lado da vizinha Capitu, de 14 anos, por ela apaixonou-se. Lindo caso de amor juvenil, enredo urdido com a perspicácia e o talento literário do grande romancista do passado.
Vê-se, daí por diante, a luta de Bentinho no sentido de convencer D. Glória, sua santa mãe, para não o levar ao seminário. Apela ele, nesse sentido, ao tio Cosme, à prima Justina e até mesmo ao agregado José Dias. Sonha com o Imperador a levar igual pleito à D. Glória, tal o desespero do adolescente apaixonado.
Pois bem. Em março passado, recebo pelo Correio um exemplar de Réstias de Lembranças, livro escrito por Denis Portela de Melo, o quinto, do gênero memórias, do consagrado escritor de Viçosa de Alagoas.
Dei uma ligeira parada na simultânea leitura dos três livros, e retomo para ler, de uma assentada, o livro do amigo escritor alagoano, filho do saudoso Dr. José Maria de Melo (1908-1984), ex-presidente da Academia Alagoana de Letras e honrado político alagoano do passado.
Nascido em 1932, explica Denis Melo no capítulo inicial: “Vindo ao mundo na década de 30, tive oportunidade de conhecer e vivenciar muita coisa (pessoas, fatos, usos e costumes) ainda remanescente do século XIX. No século XX, foram sete décadas assistindo às formidáveis transformações sociais e tecnológicas pelas quais passou a humanidade, aceleradas, principalmente, após a Segunda Guerra Mundial.”
O autor foi mais uma vez buscar no fundo da gaveta boas recordações de sua juventude e, bem assim, fatos históricos por ele vivenciados em Viçosa, sua cidade natal.
Lendo o livro, encontro, então, às páginas 45/46, o relato da festa de comemoração da ordenação sacerdotal do padre João Leite dos Passos, viçosense muito ligado à família do autor.
Voltemos ao drama de Bentinho, apaixonado por Capitu, lutando para não ser levado ao seminário, e vejamos o que aconteceu com o menino Denis Portela de Melo, em 1941, contrariamente desejando ser padre.
Meninos que cursavam o seminário em Maceió compareceram à festa de comemoração da ordenação do sacerdote, realizada em Viçosa. Todos de batina, e, no meio deles como pajem, Denis Melo que também participou da festa e das rezas. Daí o entusiasmo do pequeno Denis Melo com os meninos do seminário.
Relembra o autor do livro: “Passada a semana da festa, voltando pra casa, fui ao meu pai e, já com cara de anjo, disse-lhe: papai, quero ser padre.”
O pai do pequeno Denis, “puxando-lhe pelas orelhas, foi curto e grosso: se você vier com essa história novamente, dou-lhe uma surra!”
Claro que o menino mudou de ideia.
Maceió, abril de 2021.
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