Não me apraz escrever sobre a violência que acontece, diariamente, aqui e no mundo, divulgada de forma modulada pelos meios noticiosos, mais precisamente pelo rádio e pela televisão.
Prefiro escrever sobre temas leves, alegres, do cotidiano, de preferência aqueles bem-humorados, pitorescos, que possam provocar o rejuvenescedor riso na face das pessoas, para torná-las cada vez mais felizes.
Disse Eça de Queirós (1845-1900): “O riso é uma filosofia. Muitas vezes o riso é uma salvação. Vamos rir, pois.”
Para mim, preferiria escrever sobre as belas paisagens da natureza, sobre o esplendor do nascer do dia, o crepúsculo vespertino, a poética noite enluarada, o encrespar das ondas do mar, o balançar dos coqueirais na beira da praia. Também, tratar de coisas inspiradoras da alma da gente em busca do deslumbramento. Até uma boa música ou uma longa e sadia conversa de botequim, entre bons amigos.
Mas, não. O cronista está sempre atento ao fato do cotidiano e ao que acontece em sua volta, aqui e pelo mundo afora, sem esquecer o curso da história da humanidade. Um mundo violento, ontem e hoje, infelizmente.
Sempre me lembro, a propósito, da frase de autoria do pensador francês Blaise Pascal (1623-1662) que o saudoso professor Sílvio de Macedo (1920-1998) costumava citar: “O homem está em permanente equilíbrio entre a besta e o anjo.”
Há poucos dias, em Lyon, na França, assassinos decapitaram um professor de história; em Nice, também na França, outro assassino esfaqueou e matou três mulheres na catedral da cidade, incluindo uma brasileira, além de ferir outras pessoas; em Quebec, no Canadá, outro celerado esfaqueou e matou pessoas; e, em Viena, na Áustria, recentemente criminosos assassinaram a tiros cinco pessoas e feriram outras vinte, em plena rua, a céu aberto. E por aí vai.
A julgar pelos crimes citados, a besta está realmente solta pelo o mundo, para infelicitar a vida da gente desses países.
Fatos lamentáveis, chocantes, bem demonstram a crueldade humana ao longo da história da humanidade. Fatos que passaram a existir a partir da evolução do gênero homo na África, há mais de dois milhões de anos.
Doutor em História pela Universidade Oxford, Londres, Yuval Noal Harari escreveu: “Embora os sapiens já habitassem a África Oriental há mais de 150 mil anos, apenas por volta de 70 mil anos atrás eles começaram a dominar o resto do planeta Terra e levar as demais espécies humanas à extinção.”
Leio no livro “Sapiens” (LPM Editores, 32ª edição, 2018, pp.196/197), do citado autor, as conquistas de impérios antigos, bárbaros, que submeteram populações inteiras à privação de liberdade, tornando-as escravas ou executando-as sumariamente.
Além dos tormentos, sofrimentos e dor pelos quais a humanidade passou ao longo da história universal – tais como fome, pestes, pandemias, terremotos, atentados,terrorismo, revoluções, holocaustos –, as duas guerras mundiais ceifaram incalculáveis vidas humanas.
O mesmo autor trata do cerco e derrubada de Cartago em 146 a. C., na África, com a cidade, afinal, incendiada e destruída pelo general romano Cipião Emiliano. Guerra que já durava muito tempo.
Em 134 a. C., depois dessa chamada Terceira Guerra Púnica, Cipião foi escolhido pelo senado romano para combater os celtas, povos guerreiros que habitavam a pequena e montanhosa cidade de Numância, no norte da península ibérica. Ali os exércitos romanos haviam sofrido seguidas derrotas. Cipião arregimentou um gigantesco exército de mais de 30 mil soldados.
Segundo o citado historiador, “Cipião, que respeitava o espírito de luta e as habilidades marciais dos numantinos, preferiu não sacrificar seus soldados. Cercou Numância com uma linha de fortificações, bloqueando o contato da cidade com o mundo exterior. A fome fez o trabalho por ele”.
Um ano depois – em 133 a. C. – a fome e as epidemias haviam derrotado os numantinos, que assassinaram seus familiares e depois se suicidaram. A cidade foi arrasada. Os poucos sobreviventes tornaram-se escravos e foram levados para Roma.
Ao final do solene e aparatoso triunfo de Cipião Emiliano, escravos numantinos que desfilaram na festa foram todos executados.
Cipião Emiliano – considerado de brilhante carreira militar, cônsul e político – foi misteriosamente encontrado morto no quarto de sua casa em 129 a. C., sob a suspeita de morte natural ou de ter sido assassinado.
Entre os suspeitos: sua esposa, ou sua mãe. Mas Cícero apontou o assassino: Caio Papino Carbão, tribuno romano.
Hoje, as ruínas de Numância são atração turística, como monumento nacional, símbolo de heroísmo e patriotismo na Espanha.
Maceió, novembro de 2020.
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