Aproveitando o rescaldo do “não carnaval” de 2021, em virtude da perigosa e cruel pandemia de muitas vidas ceifadas, resolvi transcrever, como relembrança, a crônica seguinte, publicada em 07/7/1985, às páginas 57/59 do meu livro Caminhada (Sergasa, Maceió, 1994). Também, em memória de Reginaldo Falcão, inesquecível e inigualável folião santanense. Então, vejamos.
“Estivemos, há pouco, em Santana do Ipanema participando do animado forró promovido pelo clube de campo “O Supimpa”, onde abraçamos antigos colegas de trabalho, amigos e familiares, todos empolgados com a festa, numa confraternização realmente digna de registro.
Vimos, na oportunidade, o sertão verdinho em folha, com muita chuva e frio, preparando-se para a grande safra de cereais deste ano.
Observamos, apesar do pouco tempo do qual dispúnhamos, as obras do jovem prefeito santanense, que está alargando ponte, construindo e quebrando praças, reformando prédios públicos, ansioso por modernizar a qualquer custo uma cidade carente de tantas outras coisas.
O reencontro com Remi Bastos e Reginaldo Falcão, figuras engraçadas e folclóricas, fez-nos recordar a participação de ambos, tempos passados, em festas da cidade, mormente o carnaval. Como animados foliões, criaram troças, tipos originais e músicas de duplo sentido, picantes, que arrancaram aplausos de uns e reprovação de outros.
Ainda estudantes universitários, pintaram o diabo: criticaram costumes, satirizaram o mundo e meteram o pau em políticos e em conhecidas figuras da época.
Reginaldo, professor de educação física; Remi, agrônomo bem empregado, residente em Aracaju.
No carnaval de 1973, se a memória não me falha, imaginaram, estudaram e criaram o personagem a “noiva”, figura simplória que deveria desfilar pelas ruas da cidade, acompanhada, festejada e animada, com música e letra do mesmo nome, cujo inegável sucesso marcaria época nas festas carnavalescas daquele ano e de anos seguintes.
Reginaldo fez a plateia rir a valer, vivendo o papel de noiva, com buquê, longo vestido branco, lábios pintados, faces avermelhadas e cheio de trejeitos. Palhaço, mesmo.
Com chapéu de abas longas, gravata e terno branco, basto bigode e costeletas compridas, cara cínica e violão debaixo do braço, Remi carregava a “noiva” pra lá e pra cá, trocando beijos e abraços.
Tipos gozados. Fizeram sucesso nas maratonas e no sábado gordo. A dose seria repetida nos dias de carnaval.
‘Olhe a cara dessa noiva
Parece com a peste
Ela não é noiva
Ela é gilete.
O noivo dela é um paturi
Essa noiva veio da França
Chamando pitu de piti.
Piti, piti, piti.
Essa noiva não é daqui
Oh! Cara de rapariga
Ela é um barbado
E não há quem diga.’
Com essa marcha-rancho, tudo ia às mil maravilhas. Os dois eram recebidos com aplausos nas casas de família. Cantavam, dançavam, rodopiavam, bebiam. Na terça-feira, porém, quando desfilavam pela Avenida Coronel Lucena, desentenderam-se sem mais nem menos. Houve troca de palavrões, ofensas, empurrões. Atracaram-se. Os blocos, que vinham logo atrás, estancaram. O violão deixou de tocar. A “noiva”, num gesto brusco e surpreendente, desgarrou-se do parceiro e correu para o outro lado da balauastrada do Hotel Avenida, como se fora procurar amparo e proteção.
Todo o mundo parou, estarrecido.
Pressentimos que alguma coisa séria estava para acontecer, para tristeza do último dia de carnaval daquele ano, em Santana do Ipanema.
Empurrão pra cá, sopapo pra lá. Atracados.
Corremos para acalmar os ânimos. Surpresos, vimos o “noivo” tirar a roupa no meio da rua, ficando somente de calção ou sunga, e, na maior estupidez do mundo, atirar o violão e tudo o mais na cara da “noiva”.
– Tome lá essa porcaria! Meta tudo no rabo!
A dupla estava desfeita.
Soubemos, tempos depois, que tudo não passara de encenação e de pura molecagem da dupla, em fim de festa carnavalesca.”
Maceió, 07/7/1985.
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