Djalma de Melo Carvalho
Membro da Academia Santanense de Letras, Ciências e Artes.
Pedaço é qualquer parte, porção, de um todo partido, quebrado, dividido.
Levantar-se uma ou mais vezes durante a noite, interrompendo-se o sono, também é dividi-la em pedaços. Pode ser fruto de pontual insônia, de sofrimento de alguma patologia, de mal estar ou, simplesmente, de alguma indisposição noturna.
Os boêmios, os românticos, os seresteiros e poetas não dispensam pedaços de noite, ao luar ou sob céu lindamente estrelado, para divertir-se, cantando, bebendo, declamando, tangendo viola, vivendo momentos felizes, de boa vida, afinal.
Encontrei no Banco do Brasil, em Maceió, a partir de 1975, colegas boêmios, farristas, que, encerrado o expediente das quartas-feiras, já noitinha dividiam a semana em dois milagrosos pedaços. Largavam-se pelos bares da cidade, por eles assiduamente frequentados, em busca de saborosos tira-gostos ou pratos da variada e rica culinária alagoana, acompanhados do seu habitual carro-chefe: a cerveja bem gelada, devidamente servida durante o animado bate-papo.
Nosso idioma é riquíssimo em palavras grafadas da mesma forma e que têm significados diferentes, diversos. Podemos dizer pedaço de tempo e pedaços de noite, como podemos dizer pedaço de mulher, aquela de corpo escultural, bonita, e pedaço de mau caminho. Assim por diante. Basta-nos que tenhamos tempo e paciência para nos debruçar sobre o estudo da arte da significação, da semântica.
De regra, a noite é reservada ao repouso, sossego, descanso, depois de cansativo dia de trabalho, de atropelo, de trânsito engarrafado, de luta por um lugar ao sol. De abraçar-se, afinal, ao confidente e inseparável travesseiro, em noite de sono reparador, de paz, de saudáveis sonhos primaveris.
Disse Ronald Claver, em seu livro Escrever Sem Doer (Editora UFMG, 1994, p. 149): “Escrever é um ato de reflexão. Também um ato de solidão.”
Quantos escritores, jornalistas, homens de letras, em claro dividem noites e noites em pedaços, em reflexão, escrevendo, criando, produzindo textos, consertando-os, burilando-os!
Noites soturnas. Silenciosas. Noites de reflexão. Noites de solidão.
Afinal, sobre insônia, desgraçado mal que, durante a noite, acomete os que dormem pouco, o colega de trabalho no BB, Marcial Lima, homem inteligente e culto, infelizmente já falecido, tinha um eficiente remédio. Ensinava-nos o seguinte mantra, que deveria ser repetido, silenciosamente, pelos insones 10, 20, 50, 100 e, se necessário, mais vezes, a saber: “Não estou dormindo, porque estou com insônia.”
Pronto. Se alguém nisso acreditasse, teria, ao final, o sono dos inocentes...
Maceió, agosto de 2018.
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