O ZUNIDO DAS CIGARRAS

Djalma Carvalho

O poeta português Eugênio de Castro e Almeida (1869-1944), natural de Coimbra, em seu livro Obras Poéticas, V, página 25, citado por mestre Aurélio, disse o seguinte: “Do meio-dia pela calma ardente,/ Exalta-se o zunido das cigarras/ nos choupos do Mondego.”
Sábia é a natureza que canta e encanta o mundo inteligente com a sonoridade dos fenômenos atmosféricos, entre os quais, por exemplo, o sibilar dos ventos, o murmúrio do mar agitado, o som das quedas-d’água, cachoeiras, torrentes e chuva no telhado. Não esqueçamos o ribombar de trovões que assombra muita gente em épocas de trovoadas, o balanço dos coqueirais nas praias nordestinas e a musicalidade dos pássaros na divinal paz das ainda existentes matas virgens brasileiras. Somem-se a tudo isso a sonoridade e as vozes dos animais, dos bichos de diferentes gêneros e espécies, catalogados pela zoologia, que povoam os recantos mais distantes do globo terrestre.
O estridente zunido das cigarras também é canto, ou “coro de vozes”, como dizem pesquisadores agrícolas das várias espécies de cigarra.
Lá no Sítio Gravatá, também se ouvia o desaforado e estridente canto da cigarra. Encantava-me, sobremodo, o amiudar dos galos nas antemanhãs da minha infância e adolescência, bem como o coaxar de sapos como se fora longínqua sinfonia vinda do açude da propriedade do meu avô paterno.
Não sabia ainda que o cantar dos galos nas madrugadas sertanejas já teriam inspirado a prosopopéia do poeta e diplomata João Cabral de Melo Neto, com o seu dizer poético: ”Um Galo Sozinho não Tece uma Manhã.”
Por falar em canto de galo, lembro-me do saudoso professor Sílvio de Macedo que, em suas aulas no meu curso de Direito, e por meio de sábias metáforas, criticava costumes de figuras entendidas como intelectuais, dizendo: “Há muita gente por aí que ouviu o galo cantar e não sabe onde.”
Mas voltemos ao zunido das cigarras.
Os machos, que somente eles cantam escondidos e quase invisíveis entre a folhagem das árvores, produzem estridentes sons, normalmente em épocas quentes do ano – primavera e verão – preferencialmente ao meio-dia e ao pôr do sol.
O especialista Silveira Neto, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (SP), citado por Marcelo Rocha em artigo publicado no Google em 31/10/2017, informa: “O macho canta por uma única razão: atrair a fêmea para copular. É o canto da sedução.” Segundo o mesmo especialista, é mito dizer-se que a cigarra estoura de tanto cantar. E assegura: “Ela não canta até estourar. Ela estoura antes de cantar.”
A palavra cigarra, esquisito e curioso inseto do mundo zoológico e que existe em diferentes regiões do país, tem muitos significados, além do de praga que ataca muitas culturas brasileiras.
Entre pescadores, cigarra significa ”peixe-cadela”; também é ave passariforme; ainda é campainha elétrica, usada na porta de edifícios; e, finalmente, como gíria, é nome dado a marido cuja mulher está fora de casa, veraneando ou de férias.
Finalmente, lá em Portugal, “nos choupos do Mondego” em torno de Coimbra, como aqui nas árvores do condomínio onde resido, o estridente zunido das cigarras, infernal chiado que alguém chamou de sinfonia, também deve ser exaltado nas fagueiras tardes de minhas caminhadas.

Maceió, março de 2020.

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