Djalma de Melo Carvalho
Membro efetivo da Academia Santanense de Letras, Ciências e Artes.
Ninguém, por mais paciente ou sisudo que seja, estará livre de ser incomodado na rua, na praça, por um popular com certo despropósito, em flagrante da vida real.
Pois bem. Num dia desses, comprava deliciosos bagos de jaca numa barraca de rua, onde um homem simples, mal vestido, desdentado, ao meu lado fazia a mesma coisa.
Sujeito falador, comunicativo. Dizia-me que a presidente Dilma Rousseff deveria, com urgência, abandonar o governo, ainda que em andamento o processo do impeachment perpetrado pela oposição contra ela. Alegava o sujeito que, assim, tudo haveria de melhorar no Brasil e, particularmente, sua vida de carroceiro. Olhava-me de soslaio, como quem aguardasse de mim uma opinião, um comentário qualquer a respeito dessa tragédia da vida política brasileira.
Provocado, encarei-o, e lhe fiz duas perguntas. A primeira: “O senhor votou em quem na eleição passada?” O carroceiro não mais se lembrava do nome do candidato nem se teria votado. A segunda: “Com a saída da presidente, sua vida melhoraria em quê?” Carroceiro de profissão há muitos anos, ele pensou, pensou, e não soube dizer mais nada, claramente. Talvez pudesse reclamar de carestia ou da burra da carroça, já cansada de guerra, que caminhava para a improdutiva velhice.
Na verdade, assustado com o faccioso noticiário da mídia nacional, produzido diariamente e de forma massacrante, o humilde carroceiro tornou-se, de uma hora para outra, gratuito inimigo do governo.
Também inspirado nessa esteira midiática e nos pleitos da oposição, logo surgiu no cenário nacional o MBL (Movimento Brasil Livre), entidade civil criada em 2014 para levar às ruas a elite derrotada nas eleições. De forma retumbante e agitando bandeiras verde-amarelo, supõe-se que o MBL tenha gasto muito dinheiro na competente propaganda política, a julgar, hoje, pela elevada dívida que a entidade amarga, segundo a seguinte manchete pinçada do jornal UOL 08.05.2016): “Líder do MBL responde a mais de 60 processos e sofre cobrança de R$4,9 mil.”
Acreditou o povo humilde que tudo estava perdido, o país estava quebrado, a miséria logo chegaria aos lares brasileiros. Tudo a propósito do pânico que tomou conta do Brasil, após a crise política criada, criminosamente, pelos derrotados nas eleições para presidente da República; crise que desaguou em inusitada crise econômica, para desespero do povo brasileiro. A crise econômica criada assustou consumidores, fornecedores, industriais, comerciantes e desempregou milhões de trabalhadores.
Desestabilizado o país, como planejado, a oposição chegaria ao poder, como de fato chegou, embora de forma indireta, antes de 2018 e sem o consagrado voto popular. Dir-se-á, curiosamente, que o PSDB, que requereu o impeachment da presidente Dilma, faria 20 anos em 2018, sem vencer eleição para Presidente da República.
Os pressupostos jurídicos alegados pela oposição, segundo 8 mil juristas consultados, não têm base legal. Para ser julgada por impeachment, como consta na Constituição, a presidente teria de ter praticado ato tipificado como crime. Sem crime definido, impeachment é golpe. Ademais, disseram os juristas que o processo seria nulo de pleno direito, porque nascera de ato caracterizado como desvio de poderes praticado pelo presidente da Câmara dos Deputados, por suposta vingança e retaliação.
Lembro-me, a propósito, do júri simulado realizado ao final do meu curso de Direito. O professor de Direito Penal escolhera autos de rumoroso processo, julgado há mais de 30 anos, em que o réu praticara bárbaro crime. Após a leitura dos autos, dois colegas concluintes escolhidos, devolveram o desbotado calhamaço processual ao professor, alegando não terem eles elementos para fundamentar a defesa do criminoso. Não aceitando a devolução, o professor respondeu: “Inventem!”
Na espetaculosa votação na Câmara dos Deputados, para a admissibilidade do processo de impeachment, houve de tudo, para espanto da população brasileira. Parlamentares favoráveis ao impeachment, como se estivessem numa festa comemorativa, gritaram ao microfone e ofereceram o voto à família, à esposa, aos filhos, à avó, ao avô, ao papagaio, etc. Houve até uma deputada que, entusiasticamente, ofereceu seu voto ao dileto esposo, então preso pela polícia federal, suspeito de corrupção. Também outro deputado, saudosista, fazendo apologia do crime e da tortura, ofereceu seu voto a um conhecido e odiado torturador da ditadura militar.
Espetáculo lastimável num julgamento sério, decisivo para a vida política brasileira. Dias depois, os principais jornais do Brasil relacionaram, em número elevadíssimo, nome dos parlamentares que participaram dessa votação, que respondem a processo em diversas instâncias da justiça brasileira.
Herança maldita, a corrupção no Brasil é endêmica, está arraigada na vida política brasileira desde tempos imemoriais. Trazida de Portugal, passou pela Colônia, Império, chegou à República, e ainda se levará muito tempo para ser extirpada nesta terra de Santa Cruz.
Ninguém se engane, afinal, a História dirá às gerações futuras que tudo fora planejado, minuciosamente, pela inconformada elite brasileira, que derrotada nas eleições em dois turnos realizadas em 2014, apelou para o “terceiro turno ou tapetão”, o chamado golpe do impeachment.
Pode ser, agora, que o carroceiro, aqui citado inicialmente, ganhe uma carroça nova, bem equipada, e uma burra novinha em folha.
Maceió, maio de 2016.
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