O BILHETE DA SENA

Djalma Carvalho

Em linguagem de loteria, bilhete de sena, no Brasil, significa sorteio de seis dezenas. Quando acumulado o prêmio, diz-se de valores altíssimos, normalmente de muitos milhões.
Há poucos dias, em agradável fim-de-semana, estive mais uma vez na Praia do Francês, desfrutando a paisagem desse importante e conhecido recanto turístico alagoano e os deliciosos pratos dos seus modernos restaurantes. Deus premiou Alagoas com a beleza desse pedaço do litoral do Atlântico nordestino!
Paisagem belíssima em manhã ensolarada, de mar de águas azul-turquesa, num vai e vem constante de ondas quebradas nos arrecifes. Nesse espaço de mar, banhistas e turistas lançam-se às águas mansas com segurança ou preferem o panorâmico passeio em especiais barcos e catamarãs oferecidos ao público visitante.
Centenas de barracas, agora padronizadas, estendem-se ao longo da praia. À disposição dos frequentadores iguarias diversas da culinária alagoana, notadamente no que se refere a mariscos e crustáceos. Ali, sempre presente e abundante, a cervejinha gelada, para acalmar ânimos ou reduzir o cansaço do dia a dia de trabalho.
Nesse vai e vem de gente, vendedores oferecem de tudo a quem chega à encantadora praia, até idosas ciganas costumam, com insistência, ler a sorte de quem lhes permite estender a mão.
Ali sentado, tomando minha dose de destilado (o vinho não caía bem), fazia minhas reflexões sobre o burburinho festivo. Refletia sobre a beleza da praia, do colorido da paisagem humana, notadamente da moda feminina, dos modernos maiôs e dos sumários biquinis das belas turistas que visitavam Alagoas.
A propósito da beleza da praia, diz-se (nunca li nada a respeito) que o saudoso compositor, pianista, violonista, maestro e arranjador Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim (1927-1994), ao visitar Alagoas há anos, teria dito que a Praia do Francês era uma das mais lindas do mundo.
Bem à vontade ali na praia, de repente sinto alguém tocar a mão em minhas costas. Era a mão de uma simpática e modesta jovem vendedora que me oferecia bilhete de sena acumulada de muitos milhões de reais. Mais de cem milhões, salvo engano.
Antes de demover a tentativa da jovem de vender-me o bilhete da sorte, perguntei-lhe o que achava da vida futura de uma pessoa do povo ganhadora de tantos milhões de reais. Certamente que esse ganhador – disse-lhe – perderia a liberdade de ir e vir. Deixaria de visitar restaurante, bar, boteco, shopping, desacompanhado, sozinho. Teria, sim, de mudar de endereço, perderia amigos da velha guarda. Teria de contratar seguranças, para si e para a família. De vida tranquila, calma e folgada até então, o ganhador, embora milionário, passaria a ter vida atribulada, infernal, por anos e anos a fio. Deixaria, por exemplo, de estar bebericando ali na praia, como o cronista.
Depois, pensativa e curiosa, a jovem olhou-me atentamente, sorriu e prosseguiu caminhada praia afora, tentando vender seu bilhete da sena, seu ganha-pão na vida.

Maceió, fevereiro de 2023.

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