MESTRE GRAÇA EM PALMEIRA

Djalma Carvalho

Djalma de Melo Carvalho
Membro da Academia Santanense de Letras, Ciências e Artes

Como especial presente de natal, recebi das mãos da jornalista e amiga Adelaide Nogueira o livro Graciliano Ramos em Palmeira dos Índios, de autoria de Valdemar de Souza Lima (1902-1987), reeditado em junho de 2013 e enriquecido com o excelente prefácio de Antonio Sapucaia, desembargador aposentado e experiente jornalista.
Vez por outra, Valdemar de Souza Lima aparecia em Santana do Ipanema, de passagem ou em visita a compadres e a velhos amigos. Em meados da década de 1960, tive o prazer de cumprimentá-lo, de conhecê-lo pessoalmente. Homem culto, educado e de fino trato. Não esquecia a cidade, onde lá estivera muito jovem e nela trabalhara no período de 1917 a 1930. Fora aprendiz de sapateiro, empregado de panificação, de loja de tecidos e de beneficiamento de algodão, além de pequeno comerciante. Por muito tempo, fora empregado da firma de Dona Sinhá Rodrigues, viúva do coronel Manoel Rodrigues da Rocha, tendo ali conhecido o guarda-livros Domingos Gonçalves Lima, seu mestre e grande amigo. Igualmente, fora aluno, “sem vintém e sem ventura”, de Militão Damasceno.
A professora Josefa Leite de Souza Lima, genitora do autor do livro, educou santanenses da geração dos anos próximos ao primeiro quartel do século passado. Na cidade há uma antiga rua com seu nome, em homenagem à ilustre mestra.
Publicado em 1971 e com segunda edição de 1980, o livro Graciliano Ramos em Palmeira dos Índios obteve grande repercussão no meio literário brasileiro. O ex-presidente Juscelino Kubitschek, por exemplo, encantou-se com “a saborosa narração do autor”; Gastão de Holanda, entre os críticos literários citados no prefácio, disse: “Esta biografia é escrita com bom sotaque nordestino, e esta maneira de expressar-se é exatamente o que originou o estilo despojado, duro, áspero e rico do próprio Graciliano”; e Câmara Cascudo, escritor e festejado folclorista, não deixou por menos: “Como Graciliano reaparece vivo, lógico, normal, na singularidade temperamental, inteiro na sua sensibilidade, no coração solidarista. Que livro, Valdemar!”
Homem de letras, afeito à leitura de clássicos da literatura portuguesa e francesa, Graciliano assinava jornais do Rio de Janeiro e recebia livros de editoras brasileiras. Desde muito jovem lia Máximo Gorki (1868-1936) e Leon Tolstoi (1828-1910), famosos escritores russos. Igualmente se debruçava em leitura da Bíblia, mas, segundo o autor, “nunca chegou a travar relações estreitas com São Mateus e seus confrades”. Era um devorador de livros. Lia à mesa, durante a refeição, e no banheiro. Em Palmeira dos Índios, onde fora comerciante e prefeito, mestre Graça lecionava Francês, Português e Gramática, embora autodidata. O Relatório de 1929, endereçado ao governador Álvaro Paes, foi considerado peça de grande qualidade literária. A genialidade de Graciliano na elaboração desse documento logo despertou interesse de editores brasileiros. A partir daí, consagrou-se como escritor.
Em 10 de abril de 1930, renunciou ao cargo de prefeito, eleito que fora em 7 de outubro de 1927 e cuja posse ocorrera em 7 de janeiro de 1928.
Em 1933 foi nomeado diretor da Instrução Pública de Alagoas, cargo equivalente a Secretário de Educação, de onde sairia preso em 1936 e levado para o Rio de Janeiro, acusado de comunista.
Embora fosse ateu declarado, Graciliano mantinha estreita amizade com o padre Francisco Xavier de Macedo (o padre Atanásio, de Caetés), vigário da paróquia de Palmeira dos Índios. Havia “entre eles uma amizade sincera que os conservou solidários através do tempo e do espaço”, como assegurou Valdemar de Souza Lima. Viúvo de Maria Augusta, sua primeira esposa, casou-se com Heloísa Medeiros, esta então com 18 anos de idade e ele com 36.
No livro Garranchos, publicado em 2013, Thiago Mio Salla, bacharel em português, linguística e jornalismo, levou sete anos para compor seu trabalho de doutorado em letras pela USP. Fez entrevistas, garimpou arquivos diversos e extensa bibliografia. Reuniu quatorze trabalhos entre artigos, crônicas, contos e mais de oitenta textos inéditos de Graciliano Ramos. Ao final, seus editores disseram: “Os textos perpassam toda a trajetória intelectual e artística de Graciliano Ramos, que vai desde os meados de 1910 até o início da década de 1950. Uma obra necessária, um achado único.”
A obra literária de Graciliano Ramos sempre me fascinou, desde o tempo que comecei a alinhavar crônicas para jornais. Com certeza, obra universal, traduzida para quase 20 diferentes línguas pelo mundo afora.
Valdemar de Souza Lima foi vizinho de Graciliano Ramos em Palmeira dos Índios, e o conhecia pessoalmente. Daí a extensa biografia recheada de fatos curiosos do autor de Angústia. Passeia Valdemar Lima, magistralmente, entre a linguagem popular ou regionalista e a erudita, com influência, por certo, do consagrado estilo literário de Graciliano Ramos.
Pena que o autor não tenha deixado índice cronológico ao final do livro, providência que certamente facilitaria ao leitor entender melhor a trajetória de mestre Graça em Palmeira dos Índios.
Concordo com Antonio Sapucaia, que prefaciou o livro. Na verdade, se Valdemar de Souza Lima tivesse tido mais tempo e paciência e se dedicado com ânimo e frequência a escrever crônicas, contos e romances, com certeza teria despontado, vitoriosamente, na literatura regionalista, a exemplo de José Lins do Rego, José Américo de Almeida, Rachel de Queiroz e o próprio Graciliano Ramos.
Talento, afinal, não lhe faltava.

Maceió, janeiro de 2015.

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