O professor e historiador Tadeu Rocha, saudoso intelectual santanense, citando historiador francês, disse: “Não há história sem documento.” A respeito desse assunto, referiu-se o ensaísta Roberto Pompeu de Toledo (Veja, 26/9/2001, p.150), com a seguinte frase: “A história é propriedade dos pósteros.”
Historiador tem como fonte importante, fidedigna, a fonte documental, que, na verdade, demanda trabalhosa e paciente pesquisa. Mas há outra fonte, menos segura, mas válida, a história oral, colhida de pessoas idosas, que vai sendo passada a sucessivas gerações. A propósito desta fonte, Moreno Brandão (História de Alagoas, Edufal, Maceió, 2015, p. 45), ressalva: “... não desprezei a tradição oral, colhendo o que me pareceu mais distanciado de inverdades.”
Não sou historiador. Sou cronista e, nesta condição, invisto-me, às vezes, da ousada condição de memorialista. Na esteira da crônica vêm-me, então, retratos ou recortes do cotidiano, memórias e retalhos de história, oportunidade que tenho de levá-los ao público leitor. Claro que se trata de espontânea contribuição à historiografia de minha cidade.
Dois livros contam a história de Santana do Ipanema. O primeiro refere-se ao livreto de 57 páginas, valioso opúsculo, intitulado Escorço Biográfico do Missionário Apostólico Dr. Francisco José Correia de Albuquerque (SWA Instituto, 3ª Edição, 2012), edição brilhantemente prefaciada pelo doutor professor José Marques de Melo. Com esse importante documento biográfico, o padre Theotônio Ribeiro, autor do livreto, tornou-se o primeiro historiador de Santana do Ipanema, cidade da qual fora pároco no período de 1884 a 1888. O segundo livro, intitulado Santana do Ipanema Conta Sua História (Rio, 1976), de autoria dos irmãos Floro e Darci Araújo Melo, mais atualizado e com 190 páginas, também prestou inestimável contribuição à história da cidade.
Quando, em 1787, o padre Francisco Correia chegou à Ribeira do Panema (primeiro nome de Santana do Ipanema), lugar situado na confluência do riacho Camoxinga com o rio Ipanema, o missionário encontrou na fazenda de Martinho Rodrigues Gaia um recolhimento de beatos e mestiços (ou mamelucos, segundo Tadeu Rocha). Ali, no mesmo ano, padre Francisco Correia conseguiu levantar em terras doadas pelo fazendeiro uma capela sob a invocação de Santa Ana. “Construída a capela, colocou-se no lugar de honra a imagem da padroeira, vinda expressamente da Bahia.” Estava, assim, fundada a cidade de Santana do Ipanema. Seus fundadores: padre Francisco Correia e o fazendeiro Martinho Rodrigues Gaia.
O missionário “fez dali um lugar de trânsito, de onde saía a doutrinar os povos.” Era ele um grande orador sacro, de “verbo forte e vibrante, a um só tempo aliciante”, como enfatizou o padre Theotônio Ribeiro.
O venerado missionário apostólico “magnífico desbravador dos sertões”, como lembrou Dom Valério Breda, bispo de Penedo, padre Francisco Correia deixou “um lastro luminoso de virtudes apostólicas, que modelaram a fé cristã do povo sertanejo e sua tradição de civilização”.
Pois bem. Vejamos, agora, a História dentro da História, título desta conversa, depois de conhecidos certos dados históricos sobre a fundação de Santana do Ipanema, em fins do século XVIII.
Refiro-me à primitiva imagem de Senhora Santana e à viagem que ela fez a Palmeira dos Índios, onde lá permaneceu no museu da diocese por alguns anos. Retirada do seu altar, o “lugar de honra da padroeira”, a imagem deixou saudades e lamentos de parte dos católicos de Santana do Ipanema.
A conterrânea Nilza Nepomuceno Marques, de saudosa memória, sempre foi uma pessoa preocupada com a história de Santana do Ipanema. Religiosa, católica de firmes convicções, em carta de 31/7/1996 contou-me a história da ida da primitiva imagem à cidade de Palmeira dos Índios, e como e quando dali ela retornou ao seu devido lugar, ao altar de sua casa.
Aconteceu que, em meados da década de 1960, por aí, Dom Otávio Aguiar, bispo da diocese de Palmeira dos Índios, em visita pastoral a Santana do Ipanema, sugeriu ao padre Luís Cirilo Silva, então pároco da cidade, que doasse a primitiva imagem de Santa Ana ao museu de sua diocese. Certamente, porque o bispo teria visto sua bonita réplica no altar-mor da igreja matriz.
Padre Cirilo, criatura de coração extremamente bondoso, atendeu à sugestão do bispo. Mas a missivista comentou: “Nossa comunidade nunca se conformou com a doação.”
Finalmente, com habilidade, padre Delorizano Marques, que assumira a paróquia a partir de 1989, atendendo a pleito dos seus paroquianos, trouxe festivamente de volta a dita imagem para Santana do Ipanema. Imagem primitiva, original, que o padre Francisco Correia trouxera da Bahia e a colocara “no lugar de honra da padroeira”, na capela por ele construída em 1787.
Maceió, abril de 2020.
Comentários