BÊBADO MISTERIOSO

Djalma Carvalho

Este causo me foi contado, há alguns meses, pela senhora Verônica, esposa de um amigo meu de longos anos de amizade, moradores no bairro de Boa Viagem, no Recife.
O causo misterioso, extraordinário, foi logo por mim considerado como fora da natureza humana, afinal, sobrenatural, causando-me certo arrepio, porém sem nele muito acreditar, respeitosamente escutado como narrado.
Li no romance O Fio das Missangas, páginas 25 e 26, o que o escritor Mia Couto escreveu sobre visagem que sua mãe viúva lhe dizia estar no quarto com seu falecido esposo: “Não faça barulho, meu filho. Não acorde seu pai. Ele está aqui, muito comigo.”
Sobre o fato sobrenatural disse Mia Couto: “Acredito, sim, por educação. Mas não creio.”
Quando alguém me conta misterioso fato desse mesmo quilate, caminho na mesma linha de pensamento, convicção, do talentoso escritor moçambicano. Também acredito por educação, sem pormenores a respeito.
O fato aconteceu em 1998, faz bastante tempo, quando dois casais amigos, retornavam de viagem pelo interior de Alagoas, para tratar de Lions Internacional. Era ainda uma tarde de céu aberto, e retornavam com destino a Garanhuns, onde iriam pernoitar, para, no dia seguinte, dirigirem-se ao Recife.
Há uma frase atribuída ao antigo jornalista Og Fernandes, falecido ministro do STJ, que diz: “Quem é mordido pelo vírus da imprensa não se cura e nem quer se curar.”
Isso mesmo.
Segundo o minucioso relato, os dois casais transitavam de automóvel pela estrada deserta da Serra das Pias, logo após a cidade de Palmeira dos Índios. De repente, lá para as 17 horas, o veículo enguiçou, parou com defeito. Nenhum dos passageiros sabia consertar o veículo.
Estrada deserta, sem o menor sinal de trânsito, logo apareceu um sujeito vestido de branco, touca também branca, que ali parou seu automóvel. Solicitado, também não sabia consertar o veículo dos casais, mas prontificou-se a arranjar um mecânico logo que chegasse, àquela hora, a Palmeira dos Índios, onde iria participar, como babalorixá, de uma festiva cerimônia de xangô.
O traje e a informação do homem de branco deixaram os viajantes de beira de estrada de cabelos arrepiados. Mas aceitaram a disposição do chefe espiritual ou administrador de xangô, que se prontificara a contratar mecânico na cidade para onde se dirigia.
Entre a ida do atencioso mensageiro e a chegada do mecânico ao local do carro parado passara-se cerca de duas horas, de expectativa, de nervosismo, mesmo porque se tratava de estrada deserta, perigosa, de pista maltratada e de mata cerrada às margens.
Nesse meio-tempo de espera, de medo, de repente surgiu um cavaleiro bêbado, quase a cair da montaria. Ninguém percebeu de onde saíra aquele bêbado. Não viera pela estrada deserta nem saíra da mata ao lado. Dele escutava-se, em voz baixa: “Vim para ajudá-los, para protegê-los.” E calava-se.
Como “ajudá-los”, se nem sequer o bêbado se sustentava em pé, sempre segurando os arreios ou apoiado ao corpo do quieto e obediente animal?
Felizmente, já noitinha, depois de orações e de muita espera e expectativa, chegou ao local o mecânico, contratado pelo homem de branco, que imediatamente consertou o veículo.
Antes de prosseguirem a viagem a Garanhuns, eis que desaparecera, misteriosamente, o homem bêbado, sem deixar pista de onde viera nem para onde estava indo...
. Maceió,18 de outubro de 2023.

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