Para início de conversa, atrevo-me a afirmar que reminiscências e relembranças sempre alimentam a alma pura dos sentimentais e saudosos românticos em qualquer lugar onde se possa admirar e contemplar o belo clarão da poética lua cheia.
A cidade de Santana do Ipanema, por exemplo, tem sido de longa data fonte de inspiração de cronistas ou memorialistas que se debruçam no registro de hábitos fortemente arraigados na cultura de sua gente, na história do seu povo.
Basta para tal que se leiam livros de Oscar Silva, Tadeu Rocha e até mesmo contos de Breno Accioly, escritores santanenses do passado, para corroborarem essa nossa possível assertiva de cronista interiorano. É, portanto, na cidade, no orbe municipal, onde tudo acontece.
Tolstói, clássico da literatura russa, afirmou: “Fale de sua aldeia e estará falando do mundo.” José Saramago, Prêmio Nobel de Literatura, completa: “Uma aldeia tem o exato tamanho do mundo para quem sempre nela viveu.”
Meu grande amigo José Alberto Costa, jornalista alagoano e possuidor de verve de crítico literário, disse a meu respeito, com tamanha generosidade, o seguinte: “Os livros do autor santanense nos levam invariavelmente a uma viagem em sua agradável companhia, tendo como ponto de partida a sua querida terra natal. Para ele, Santana do Ipanema, onde tudo acontece, é o centro do mundo. O resto é apenas gigantesco entorno.” (contracapa do meu livro Águas que se foram, crônicas, 2011).
Nessa Sexta-feira da Paixão que passou ocorreu-me recordar Santana do Ipanema da minha juventude, própria de arroubos e de agradáveis aventuras.
Às Sextas-feiras da Paixão jovens amigos santanenses costumavam, em grupo, subir o morro do Cruzeiro, em busca da capela de Santa Terezinha e do cruzeiro que ali foram construídos em tempo passado, lá para 1910, como promessa feita pelo sargento Antides Feitosa, casado com Dona Hermínia Rocha, de cujo matrimônio nasceram os três débeis mentais Agissé, Bebé e Poni, personagens inspiradoras dos contos de Breno Accioly.
A subida do morro era mais aventura que penitência, uma vez que nesse dia santo as portas das casas do comércio local e as dos bares da cidade estavam fechadas. Nada funcionava, salvo a igreja matriz, aberta para orações próprias da Sexta-feira da Paixão, de profundo respeito.
Certa feita, ao retornarmos da caminhada ao morro do Cruzeiro, encontramos o amigo Lira à porta fechada do seu bar, então situado na praça Coronel Manoel Rodrigues da Rocha, no centro da cidade.
Conversa vai, conversa vem, pecado vai, pecado vem. O Lira, dono do estabelecimento, convenceu-se a abrir cuidadosamente a porta do seu bar. Entramos todos, e a porta imediatamente voltou a fechar-se. Lá dentro, a turma bem comportada esbaldou-se, tomando vinho “sangue de boi” e cerveja.
As orações da Semana Santa ficaram para depois...
Maceió, março de 2024.
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