ESTRIBOS DO CANGAÇO
(Clerisvaldo B. Chagas. 6.5.2010)
Vivi situações diversificadas nas pesquisas sertanejas. Três delas, porém, continuam gravadas em pastas semelhantes.
Designado para a fazenda de um homem tipo coronel, não pensei duas vezes no cumprimento do dever. Senhor de terras e de homens, no alto Sertão, o fazendeiro casava, batizava, feriava e dava dia santo. Quando precisava, saía ligeiro com seus quinze ou vinte capangas armados até os dentes. Governadores temiam e respeitavam o fazendeiro. E alguns até levavam esporros desmoralizantes do homem do sertão. Seu nome virou lenda para o bem e para o mal. Fazia sua própria justiça e exercia influência sobre todos os tipos de representantes estaduais de cidades circunvizinhas. Sua vida daria um livro completo. Dirigi-me com um companheiro até lá. O homem nos recebeu normalmente, pediu que um empregado selasse dois cavalos brancos e mansos que estavam na varanda e fomos até um aglomerado dentro da imensidão de suas terras. Fizemos nosso trabalho, agradecemos ao “coronel” (não gostava de ser chamado assim) e viemos embora dentro da paz reinante no momento.
Com os mesmos objetivos, fomos à outra fazenda não tão longe dali. O dono também era famoso, mas não como o primeiro. Muitas terras, ordens poderosas e péssima fama. Chegamos à época de sua decadência. Apesar do mal de Parkinson, ainda era respeitado e temido. Diziam que esse tinha quantas mulheres quisesse e vivia com várias delas. No momento não estava em casa e nos entendemos com um dono de bar falido que nos pareceram filho bastardo e capanga do velho. Foi aí onde, pela primeira vez, vi um sino de convocar a capangada, pendurado numa estrutura de alvenaria. Até àquele momento eu só tinha ouvido falar no assunto nas leituras de adolescentes em literatura de cordel. Fiquei de queixo caído com a realidade. Dando graças pela ausência da fera, realizamos o nosso trabalho e viemos embora.
Em outra ocasião chegamos a uma fazenda localizada numa planura muito bonita no meio da caatinga. Havia perto do terreiro da casa-grande, duas pedras enormes escoradas uma a outra. Na base, formavam uma pequena gruta; correndo em sentido vertical ambas iam se afunilando. O proprietário queria que descobríssemos o mistério de várias formas arredondadas que havia nas pedras, do tamanho de uma bola de golfe. Só vim, a saber, depois que aquilo era provocado por fungos e bactérias. Ganhamos a confiança do homem e ele nos confessou que era ali na pequena gruta onde ficavam muitas vezes, os cabras de Lampião. Disse ainda, que após a tragédia dos Angicos, os cangaceiros que escaparam andavam perambulando sem chefe pela caatinga. Foi ele, então, quem serviu de intermediário para que alguns cangaceiros se entregassem ao batalhão do coronel Lucena em Santana do Ipanema. O homem procurado por ele em Santana foi o comerciante (depois prefeito) Ulisses Silva que falou com o coronel. Não lembro o nome desse fazendeiro, mas era um tipo marcante, alto, forte, roupa de mescla e chapéu de couro de abas largas. Eu pequei suas características e o transformei no personagem Né de Zeca, coiteiro de Lampião, do meu futuro romance em relação à época, “Deuses de Mandacaru”.
Se não estive no dorso, pelo menos ainda vi os ESTRIBOS DO CANGAÇO.
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