Caminhos e descaminhos na política interna do PT em Alagoas
*Carlindo de Lira Pereira
O partido dos trabalhadores, em Alagoas, apresenta uma história de luta social marcante na terra dos marechais, a partir da década de oitenta. Onde arrasta para Alagoas, já no ano seguinte ao da sua fundação, os valo- res ideológicos da democracia popular estreitando o contato com as catego- rias trabalhadoras sindicalizadas, por meio de um diálogo produtivo com suas lideranças.
Em virtude da crescente industrialização da capital, Maceió, surge aí, as condições históricas, isto é, o modelo capitalista de produção melhor instalado que no resto do estado, pois a centralização em Maceió dos ser- vidores públicos das esferas federais, estaduais e municipais, com sindica- tos atuando na clandestinidade, ou em processo de instalação, no final da década de 1970 e, ainda, na década de 1980 a chegada de indústrias como a Salgema e a Brasken, além de filiais de lojas importantes do setor terciá- rio , enquanto nos demais municípios, 101 portanto, o modelo de produção rural, à moda da era colonialista, com a concentração de grandes proprie- dades rurais dominadas por alguns feudos familiares do interior alago-ano, apresentavam um cenário econômico, inteiramente , diverso daquela estrutura, ou em via de estruturação na capital do estado. Segundo Carva- lho (2005, p. 29):
Maceió é o retrato fiel do modelo concentrador de renda que
o Brasil conhece desde o tempo colonial, e que mantém os seus
traços mais fortes no Nordeste. A concentração de terra e de
renda tem a correspondência espacial. A capital tem, em primei-
ro lugar , o privilégio de, desde o século XIX, concentrar toda a
administração federal e estadual, além da sua própria Prefeitura.
São mais de 80 mil funcionários públicos vivendo na capital.
Uma entre cada três famílias na capital tem um servidor público.
Em vista disso, os demais municípios alagoanos, mesmo a segunda maior cidade do interior, Arapiraca, apesar de ter lançado oficialmente a fundação do Partido dos Trabalhadores no ano seguinte ao da fundação do PT nacional, não encontrou as condições históricas produzidas pelo capital e sua divisão de classes e categorias organizadas sindicalmente para insta- lar na sociedade arapiraquense a discussão pautada na organização sindical nos moldes “da enorme onda de lutas sociais ocorrida no final dos anos 1970 e parte dos anos 1980” (RESOLUÇÕES, 10º CONFERÊNCIA AE, 2008) das centrais sindicais das metrópoles paulistana, carioca, mineira e gaúcha. Conforme Carvalho (2005, p.16):
Diferentemente de outros estados brasileiros mais desenvolvidos,
em Alagoas, a ausência de um forte processo industrial, a inexis-
tência de um setor comercial e de serviços dinâmicos, assim como
a fragilidade da máquina pública – pequena para as necessidades
regionais e mal pagadora – inviabilizaram o surgimento tanto de
uma classe operária expressiva como de uma classe média numeri-
mente representativa.
Em Maceió, a intensa atividade sindical sustentada pelo discurso da luta de classes conseguiu mobilizar e conscientizar a maioria dos trabalha- dores para a sindicalização de sua força de trabalho e de sua condição de sujeito histórico na sua relação de trabalho com seu patrão, seja ele o esta-do, ou os grupos empresariais. Esta organização criou as condições para a elegibilidade de candidatos representantes da categoria trabalhadora sindi-calizada.
A força política sindical dos trabalhadores alagoanos da capital do estado levou ao poder legislativo municipal, pela primeira vez na terra dos marechais e coronéis, o discurso dos trabalhadores; o ponto de vista das ca- tegorias trabalhistas, que ao longo dos 180 anos de história da alagoanidade não tiveram representação legislativa nem legitimidade reconhecida. Poste- riormente, essa mesma organização sindical, construiu poder político sufi- ciente para conduzir ao poder legislativo estadual, antes prerrogativa dos filhos dos marechais e coronéis, dois representantes da classe trabalhadora sindicalizada, feito nunca antes visto na política de cartas marcadas de Ala-goas.
Enquanto isso, no interior do estado o Partido dos Trabalhadores não consegue emplacar seu discurso de classes e sindicalismo. Os demais muni- cípios com características de produção especificamente rural, agropecuária, concentrada nas mãos de poucos latifundiários, herdeiros de uma cultura política coronelista e acentuadamente violenta , sem qualquer organização sindical à vista, com altíssimo índice de sua população analfabeta e marca- da pela despolitização, reconhecidamente analfabetos políticos, também. A ausência de condições históricas, que só o processo de industrialização capitalista proporciona, por tornar mais evidente a relação do proletariado e sua conseqüente organização sindical, a onda de lutas sociais passa longe dos 101 municípios alagoanos, que desconhece e até estranha esse discurso petista.
Em Arapiraca, segunda maior cidade do estado, porém, marcadamen- te, construída com a mão-de-obra dos trabalhadores do campo, tendo sua economia fundada e mantida nas décadas de 1970 e 1980 na produção fu- mageira sem qualquer organização sindical dos trabalhadores, ao contrário o que existia era o sindicato patronal; por conta disso, Arapiraca não vive, não registra nenhuma experiência de organização trabalhista. Pois, o que ocorre em Arapiraca é algo inusitado, segundo o historiador Zezito Guedes (1999, p. 288 ):
Como ocorreu ao ciclo do ouro em Minas, ao ciclo do cacau
na Bahia, ao ciclo da borracha no Pará, na fase áurea da cul-
tura do fumo, houve oportunidade para todos, indistintamen-
te, tendo em vista a bem distribuída renda per capta, propor-
cionada pelo sistema minifundiário implantado na região fu-
mageira, efetuaram verdadeira reforma agrária natural.
Realmente, o modelo de organização econômica de Arapiraca pare- ce ter inviabilizado politicamente, a onda de lutas sociais ocorrida no final dos anos 1970 e parte dos anos 1980. Qualquer pesquisador pode levantar os fatos, que irá surpreender-se com a reforma agrária natural ocorrida em Arapiraca na década de 70 e meados da década de 80. Ou seja, a onda de lutas sociais e seu conseqüente discurso político passou longe dessa cidade pólo.
Em vista disso, o modus operandi da política partidária arapiraquense esteve polarizada entre dois grupos, a saber, os que defendiam o projeto po- lítico conservador e reacionário da ARENA , e o projeto político redemo- cratizante e progressista do MDB. Ambos de caráter explicitamente neoli-beral e essencialmente capitalista. A discussão sobre uma vertente política democrática popular, ou de projeto socialista, e, ou comunista deu-se por parte de pequenos grupos estudantis e universitários, mas, isolados discur- sivamente e sem penetração social. É neste contexto que surgem o PT, o PC doB, o PSB, etc.
Até a presente data, o PT que já lançou candidatura a Prefeito em Arapiraca e várias a vereador, jamais conseguiu eleger um de seus candi- datos, não é por acaso. Alguns argumentam que se trata de desorganização interna do partido na “capital do fumo”. Mas, entendo e percebo algo maior que está além do poder e da possibilidade de organização local, trata-se do modus vivend do povo arapiraquense, da cultura política pautada num mo- dus operandi específico de um modelo socioeconômico, que demanda outro jeito de fazer política, que não é receptivo ao discurso petista, pois este sur-ge exatamente como produto da enorme onda de lutas sociais dos anos 70 e meados dos anos 80, enquanto Arapiraca vivia seu período áureo de desen- volvimento econômico-fumageiro, onde eclodiu uma reforma agrária natu- ral, com a consequente distribuição de renda e o surgimento de minifún- dios.
Hoje, Arapiraca não é mais um pólo fumageiro, porém seus líderes já nos anos de 1970, talvez, por pura intuição, semearam outra semente nessa terra. A iniciativa privada, e não poderia ser diferente, fundou uma institui- cão de nível superior na região do agreste, a FUNEC, que em seu estatuto já preconizava, justificando sua criação ao MEC, estar localizada numa região geopolítica-educacional estratégica para atender a demanda popula- cional agrestina e, por extensão sertaneja. Esta cidade é atualmente sede da Universidade Estadual de Alagoas, sendo a primeira instituição de nível su- perior no Estado de Alagoas que implantou a interiorização desse tipo de ensino, tendo mais quatro campi distribuídos no interior do estado.
Se estamos vivendo em plena era da informação e do conhecimento, percebo que somente por meio de um intenso trabalho de base e de forma- cão política, que já vem sendo desenvolvido pela tendência interna do PT Articulação de Esquerda, em âmbito nacional, podemos atingir a médio e a longo prazo, o novo cidadão do interior alagoano, que é fruto da semente da educação plantada na década de 70, em todos os seus níveis, e que agora pode informar-se melhor e conhecer a diferença entre o joio e o trigo nessa nova etapa do projeto político petista para o novo milênio.
*É professor auxiliar da Uneal e sócio efetivo da ACALA.
Referências bibliográficas
Carvalho, Cícero Péricles de. Economia popular: uma via de modernização para Alagoas. Cícero Péricles de Carvalho - Maceió: EDUFAL, 2005.
Resoluções da décima conferência Nacional da Articulação de Esquerda. São Paulo- SP: Editora Página 13. 2008.
Guedes Zezito. Arapiraca através do tempo – José Gomes Pereira.Maceió. Gráfica Mastergraphy Ltda. 199
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