Religião Política

Adriano Nunes

É preciso sempre voltar a repetir: não há salvadores da pátria. Nem à direita nem à esquerda e nem mesmo ao centro. Muito menos advindo de alas extremistas. Isto é um alerta civilizatório, de certa maneira. Os antípodas políticos que costumam estar à frente, compondo as oligarquias dominantes no jogo político (os que se pretendem "moderados", da esquerda e direita) frequentemente, quando se encontram perdendo poder ou campos de possibilidades na esfera pública ou quando ainda (ou concomitantemente) a sociedade está em algum tipo de crise (nacional/patriótica, social, econômica, política, ética...) parecem esquecer-se das regras democráticas ou pior: buscam esquecer-se ou abdicam da realidade fatual, da história, e atiram-se desesperadamente, para manter ou conquistar poder, a angariar apoio nos lados extremos (violentos, excludentes e autoritários) ou mesmo passam a acreditar veementemente que algum político pode ser a salvação da nação, que ele tem uma função messiânica.

Essa perda/desistência da realidade ou criação de uma realidade imaginária engendra nas pessoas uma fé inabalável de que há um líder (carismático, populista) que tem os requisitos humanos e transumanos capazes de resolver todos os problemas éticos, morais, políticos, econômicos e sociais, como se fosse uma divindade. É uma retroalimentação de crenças. E, assim, passam a depositar em um só ser todas as suas esperanças, não importando as consequências.

Em 1920, o Partido Socialista italiano foi o grande vencedor das eleições em diversas áreas na Itália. Socialistas/comunistas e fascistas, nesse período, eram violentos, astutos, cegos ideologicamente e adversários, sem tolerância uns para com os outros. A maior parte dos liberais e conservadores fez escolhas funestas, sob a égide de "parar a onda bolchevique". Empresários italianos patrocinaram milícias armadas extremistas contra os socialistas, dando dinheiro para compra de armas e estimulando os assassinatos gratuitos, por exemplo.

Não preciso dizer quais escolhas fizeram, não é mesmo? Um beco, talvez, sem saídas. O comedimento e a razão foram mesmo abandonados. Abaixo, um fragmento de um dos principais jornais conservadores da época:

Gazzetta Ferrarese (jornal conservador), 20 de outubro de 1920, editorial:

"A Itália precisa de um homem que diga com vontade decisiva “chega!” a essa corrida louca em direção ao suicídio. Um homem que não tenha a irritante preocupação cotidiana de manter o equilíbrio parlamentar [...]. Um homem que saiba encarar a realidade que não suporta meias medidas [...]. Não se cura a gangrena com panos quentes. Esse homem existe? Que surja, e ele terá consigo o unânime consenso nacional."

Qual era esse homem? Todos e todas vocês sabem bem. E sabem também o que aconteceu depois. O criador dos Fasci Italiani di Combattimento (criado em 23 de março de 1919, em Milão) tinha consciência desse desequilíbrio social por que passava a Itália. E, de bom grado, Mussolini aceitou a funesta missão que o povo italiano lhe destinaria a partir de 1922. A massa acrítica e fanática, à procura de redenção e salvação, legitimaria cada ato do Duce como uma manada que segue em busca de amor no matadouro.

Adriano Nunes

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