Manifestações e fanatismo

Adriano Nunes



Quem tentar explicar, de forma dogmática, o que está acontecendo na Bolívia, no Chile, na Venezuela, no Brasil e em outras partes do mundo, como na Espanha, estará cometendo, sob certa perspectiva e de algum modo, um erro grave de análise ou uma estupidez histórico-sociológica.

Alguns pontos convergem, tais como questões culturais (como colonização, raça, língua, xenofobismos, etc), econômicas (economia estagnada ou deficitária, desigualdade na distribuição de renda exorbitante, desemprego, fome etc) e ascensão da extrema direita ((mas também da esquerda, em menor proporção) e um crescimento de igrejas pentecostais bem como de seitas radicais.

Todavia, por essas vias explicativas apenas, a problemática das relações de poder e de estabilidade/instabilidade institucional e política fica ainda pobre de compreensão e explicação. Pôr também a culpa no populismo e em algum líder (populista ou não), em algum chefe de Estado específico, como Evo Morales, Bolsonaro, Piñera, etc, é como se quisesse explicar o nazismo apenas pela figura de Hitler, ainda que ela tenha um papel chave.

Em pleno século 21, todos querem ter vez e voz. E, neste sentido, as hegemonias culturais e político-partidárias parecem não atentar para isso. Nessas situações de instabilidade social, de alguma maneira, os extremistas parecem ter alguma vantagem ideológica e, portanto, parecem demonstrar aos demais o fiasco que tem sido o processo civilizatório quando, por imposição de poder ou por hegemonia intelectual, quis dicotomicamente e de modo maniqueísta fazer com que o mundo tivesse sempre duas posições políticas: os que detêm poder e os que não (dizer isto não quer dizer que não haja disputas de poder ou mesmo detenção de poderes!): um vendo o outro como o mal a combater, e ambos achando que são a salvação do mundo.

E, nesta divisão hipócrita e funesta, vozes silenciadas ou reprimidas vêm à tona com força acumulada de séculos e bastante violência, não só extremistas de direita, mas também de esquerda, com o séquito multivariado de adeptos e simpatizantes. Cada um querendo impor aos outros a sua moral moralizadora e a sua visão profética do mundo.

Neste balaio de interesses, pegam carona conservadores radicais que sequer sabem o que é conservadorismo, comunistas que vivem a sonhar com uma nova URSS, sob as bênçãos de um Stálin moderno, nazistas que buscam reerguer o Quarto Reich, fascistas que sonham com a Roma Antiga, fundamentalistas que odeiam a cultura ocidental, enfim, uma gama de fanáticos que creem ser através da força e da violência que o mundo tem jeito. Claro: um mundo só para eles, onde o conhecimento, a crítica, a arte, as ciências são desprezados, e tudo, que for tomado como advindo da razão, é abominado como se fosse uma maldição eterna.

Adriano Nunes

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