"O sexo na quarentena"

Adriano Nunes

Recomendo aos cheios de pudor e tabus que não leiam este ensaio. Também aconselho os religiosos fervorosos que não cedam à tentação de lê-lo. Podem ficar chocados com a realidade factual explicitada pela literatura, ainda que, de certo modo, fictícia e fantástica. Pois bem. Talvez, a única coisa que não parou e não para durante a quarentena é o sexo, dentro ou fora de casa.

Comecemos pelos (as) amantes. Se os relacionamentos "normais" faziam com que os muitos casados (as), amigados (as) e afins procurassem uma parceira ou um parceiro além dos limites do lar, enganam-se ingenuamente os que pensam que freios foram postos às delícias das traições e do prazer. Ao contrário, a vontade e o desejo de trair aumentaram. Não à toa, a convivência meio forçada quase integral vem levando casais a se conhecerem mais e mais e, assim, brigarem também mais e mais. Só mesmo o amor vence barreiras, muros, limites e prisões. E sexo não é amor. Os dados estão aí para provar que a violência doméstica contra as mulheres vem-se elevando. Um problema complicado de se resolver, mas que tem uma prática solução, ainda que não seja a definitiva para o problema em si: a justiça e a aplicação da lei. Antes a vida do que um parceiro abusivo e violento.

E os que não brigam e não têm amantes? trepam, transam, fodem, gozam. E os que têm amantes e não brigam e evitam transar com os cônjuges: masturbam-se, batem punheta, gozam, até por vídeo ou câmera. E os que não são casados? Desafiam a quarentena, se preciso, ou gozam via vídeo ou câmera. O sexo não para. Parece um escape, uma fuga necessária, um alívio transcendente. O vírus assume, por uns instantes, o mesmo papel cruel que teve o HIV na história da sexualidade. Evidente que um papel irrisório, um figurante. Mas traz em si algo de trágico e hilário. Imaginemos um diálogo entre a amante (poderia ser um amante) e o casado (ou a casada):

- Poxa, você nem veio mais né?
- Calma, eu até quero, mas tá difícil. Tá uma cola e uma pressão forte! Meu pau tá cheio de gala e durão aqui só em te vê pela câmera!
- Ah, meu fio, num vou mesmo aguentar isso não! Ou você arranja um jeito de vir hoje ou tá tudo acabado! Essa história de gozar pela cam não aceito mais!
- Eita! Deixa disso! Eu te amo!

Imaginem a continuação dessa cena, caros leitores e leitoras. E os gays, as trans, as travas, as monas, as bichas, os bofes, os gps, as gps, os gigolôs e todos e todas que fazem a esfera pública e o mercado do sexo vingarem? Os motéis continuam abertos e, diga-se de passagem, há um entra e sai de carros quase inalterado. O sexo impera ante o medo. Mesmo durante a fase mais estigmatizada da AIDS, o sexo arranjou meios de fazer a vida humana mais leve e feliz. Jorros de alegria e êxtase!

E os evangélicos? Trepam, transam, fodem e gozam do mesmo jeito. Alguns são insaciáveis. E alguns e algumas têm lá as suas amantes. Não faltam evangélicos e evangélicas nas salas de bate-papo a caçar alguém deliciosamente atraente para gozar gostoso. Hipocrisia seria negar tal fato. Certa vez, em conversa com um amigo evangélico, ele me disse que seu "pau estava prestes a explodir", que queria gozar e já não aguentava comer a esposa. Eu quis rir, todavia me controlei. Outra vez, uma amiga evangélica, solteira, disse-me sentir saudades da vida de não crente, pois estava com o "pinguelo coçando". Também não ri. A força do sexo é implacável. Por isso o sexo foi perseguido pelos poderosos, pela ciência, pelo Direito, pela religião. Por isso, muitos crentes, entre orações e jejuns, são tentados pela gostosa gozada. E, quando gozam, parecem chegar mesmo ao paraíso. Não à toa os homens-bombas explodiam sonhando com um harém além. Como bem disse Cole Porter "let's do it, let's fall in love"!

Não me alongarei neste ensaio. Sexo é bom e é melhor ainda com segurança. Quando estava escrevendo a minha dissertação de mestrado, entrevistei vários garotos de programa, travestis, trans, bichas, etc. E entre uma pergunta e outra, sempre havia espaço para relatos sobre aventuras sexuais e suas relações com a violência. O mercado do sexo tem íntima relação com a violência. O Brasil é um país violento. O repúdio ao sexo se revela, de algum modo, na violência contra negros (que geralmente, desde a escravidão, são associados à atividade sexual, ao homem dotado, do pau imenso, ao amante, o "negão" dos sonhos das bichas e das madames, bem como às concubinas dos senhorezinhos brancos), contra as mulheres (patriarcado e machismo e uma miríade de fatores levam o Brasil a ter uma taxa alta de feminicídios) contra os LGBTQ+ (a escusa violenta e preconceituosa de aceitar que as pessoas sejam realmente livres e, portanto, possam exercer a sua sexualidade como bem queiram). Enfim, o sexo foi sempre reprimido, a sexualidade sempre foi reprimida. Mas sempre conseguiram, à sua maneira, iluminar o mundo, com gozadas, brochadas, penetrações, chupadas, dedadas, linguadas, etc e tal, ainda que caretas e intolerantes não queiram e não aceitam, hipocritamente.



Adriano Nunes

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