"Algo Antigo", de Arnaldo Antunes (Companhia das Letras, 2021) - por Adriano Nunes

Adriano Nunes

"Algo antigo" é o novo livro do Arnaldo Antunes. Desde o título, o poeta evoca o tempo para, paradoxalmente, redefinir a temporalidade em que está imerso. Algo antigo parece a priori remeter a algo que já havia (poemas? Fatos históricos? O próprio eu?) para torná-lo novo (ou, ao menos, sob um novo ou um outro olhar), contemporâneo, moderno par excellence. Parece, ainda, um convite ao leitor para um recan(to-tem)po que fora democraticamente melhor, mais viável à vida: um escape, uma saída, o fio de Ariarte. Notem como AL(go) anti(GO) vai além do algo e do antigo. A inovação estética surge já no sumário. A forma como Arnaldo dispõe a numeração de cada poema nas páginas assemelha-se a um código. O que precisa ser mesmo decifrado? Como devorar a Esfinge? O livro abre com o poema homônimo "al(anti)go" cuja forma e exposição contrastam (a partir do título do poema) com o título. Relação de coisas e fatos que nos levam a suspeitar de que são memórias vivas do autor, signos que fazem parte do seu momento existencial, do seu cotidiano: a ars poetica dissecada, o sítio, a fotografia, as colagens, os rabiscos, os desenhos, os discos, os amigos. A ponta de um iceberg: o que está por vir. Com o passar das páginas, "al(anti)go" trará a sensação de ficar no pretérito da obra: o primeiro lido/o mais antigo em relação aos demais. Aquilo passado será mero resquício? Alimento do lento adiamento? O poeta se concretiza em seu tempo-ser e passa a limpo a sua consciência de tudo enquanto tudo. Com que fim, de início, se chega ao fim do mundo para que tal fim não lhe diga mais respeito? A negação do fim do mundo como portento de esperanças criadoras e libertadoras: fonte de luz. O peito se dá ao agora. O fim que espere um pouco mais: o homem (o vate?) não desiste de (se r)enascer. Pois o presente, ainda que fugaz, é eterno em sua constância de ser presente-passante. Neste ponto, percebemos que Arnaldo Antunes demonstra conhecer não só os pré-socráticos, mas estar com eles, pensar poeticamente com eles. Parmênides e Heráclito se eternizam, atravessam o túnel do tempo, porque até a múmia muda, o mudar muda, os mitos mudam. Como Fernando Pessoa constatou poeticamente em "Ulisses": "O mito é o nada que é tudo". O rio não é o mesmo mesmo na mesma página a cada diferente mirada. Antigamente a paz não era novidade. Em "NO", Arnaldo presta homenagem a Augusto de Campos. Não se vende. Não se venda. A novidade devida é uma dádiva. Para mim, chegamos a um dos grandes lances do livro: "ar agora". O ar ara o agora. O agora agarra o ar que atravessa o ar. O movimento. Dentro. Diante do centro. Revelado, no lábio calcarino, não mais invertido. O "ago" formado entre a linha mediana dos dois círculos faz referência ao agora que já foi passado: time ago. O cerne da cri(ânsia) solta na inf(ânsia) do que cresceu: o adulto em sua destimidez aflitiva. Então, se tudo há aqui, dito aqui, vivido aqui, fincado no existir, não se tem saudade de coisa alguma, porque tudo há ainda: a saudade se transmuta em humanidade. Arnaldo despe-se de materialidade mercantil, de utilitarismos para atestar a dignidade de todos e todas com os/as quais conviveu, convive. O tempo parece que não passa na quarentena do poeta. O carpe diem horaciano se cristaliza e, com o olhar de Medusa, petrifica o já, o agoral. Ou parece que passa rápido demais. E, se assim se faz, algo antigo passa a se fincar nas sinapses. Essa incerteza do passar/estagnar - pois tudo é sensação! - faz com que o criar fique cada vez mais denso, mais necessário, uma finalidade sem fim. Monstros dentro de definições e das divergências. Os monstros que não se sensibilizam com mais de 250 mil mortos numa pandemia. A crítica pedindo o apoio da poesia política, sem fazer uso de quaisquer tipos de panfletagem. E entre poemas concretos, belos e inteligentes, rabiscos e imagens, o livro vai se estruturando num círculo coeso, enigmático, brilhante, atemporal e universal: com "algo antigo" (último poema), o livro reinicia o ciclo da poesia, da grã arte. No cerne, amalgamadas estão preocupações com a vida, a cultura, as artes, a música, o Brasil, a velhice e os seus efeitos, a democracia, a água, com eles e elas, as florestas, as ciências, os saberes, os algoritmos, o horror, o fascismo. Algo antigo é novíssimo. Um livro aberto a reflexões artísticas e humanas importantes e instigantes. A poesia de Arnaldo Antunes é esteticamente ampla e pronta estilisticamente a desafiar infinitos. Sem dúvidas, sob os ditames da Estética kantiana, exposta em Kritik der Urteilskraft, afirmo categoricamente que "Algo antigo" (Companhia das Letras, 2021) é uma obra-prima.


Adriano Nunes

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