O fato que vou narrar é verídico. Nada tem de ficção. Estamos no ano de 1962. Eu com meus vinte anos de idade, a cabeça cheia de sonhos, largo-me para São Paulo objetivando estudar engenharia aeronáutica no famoso ITA.
Iniciei me matriculando no curso preparatório do Anglo Latino, no bairro da Aclimação.
Hospedei-me na pensão de D. Dalva, onde fazia as refeições, e dormia no apartamento da própria, que alugava quartos para estudantes.
Vez por outra, nos fins de semana, ia ao Rio de Janeiro visitar uma irmã que lá residia. Nessas ocasiões, quando o dinheiro dava, viajava pela ponte aérea. Quando não, optava pela via rodoviária, viajando a noite nos ônibus da Viação Cometa.
Foi numa dessas noites que o caso se deu.
Tomei o ônibus das 22 horas e acomodei-me numa das poltronas de janela. Pouco depois sentou-se a meu lado um cidadão circunspecto que mal se dirigiu a mim. Fiquei na minha, tentando me acomodar para uma pretensa noite de sono.
Logo que tomamos a Dutra, as luzes se apagaram e o frio aumentou. Embora estivesse de terno, ele era insuficiente pra aplacar o frio. Meu vizinho puxou um cobertor e, com ele , cobriu-se e também a mim, ao tempo em que se acomodada na poltrona.
Foi aí que começou meu drama. Mal ia conciliando o sono, acordei com alguém a apalpar-me a coxa. Era meu vizinho. Tratei de barrar o trajeto da mão boba e tive de manter-me constantemente em guarda. Qualquer vacilo e aquela mão continuava o avanço.
De boa-fé, comecei a dar tratos à bola. O que seria aquilo? Seria um movimento consciente? Olhava de soslaio para meu vizinho e nada nele ensejava que pensasse tratar-se de um falsa bandeira. E enquanto a insistência continuava, a dúvida instalava-se em meu espírito.
Chegamos em Itatiaia, o ônibus parou num restaurante e todos descemos para estirar as pernas e tomar um cafezinho. Aproveitei para melhor observar meu vizinho de poltrona. Pareceu-me uma figura circunspecta, séria, de cerca de quarenta anos, sem nenhum aspecto ou trejeito que denotasse boiolice. Aproveitei a ocasião para tentar mudar de lugar, mas o ônibus estava lotado. Tive de me contentar em voltar para o mesmo lugar.
Mal saímos e recomeçou a insistência do cidadão em apalpar minha coxa e empurrar minha mão protetora. Mantive-me em guarda o restante da noite até chegarmos ao Rio, pela manhã.
Não precisa dizer que, na noite daquele mesmo dia, voltei para São Paulo pela ponte aérea.
História de Jesualdo
CrônicasAlberto Rostand Lanverly (com a inspiração de um grande amigo) 30/05/2022 - 22h 33min
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