Djalma de Melo Carvalho
Membro da Academia Santanense, Ciências e Artes
O cronista, que registra o cotidiano, o fato, o relato curto, não deixa de ser também um memorialista. Presente e passado têm relação com o tempo, com o cronológico, com relembranças, com reminiscências, com registros históricos.
Sobre o assunto, disse Joca Souza Leão, conhecido cronista pernambucano: “A crônica é de leitura rápida, fugaz. Coloquial como uma conversa entre autor e leitor.”
Escolhi este gênero literário para tratar, também, de gente que conheci no meu trabalho diário no Banco do Brasil, e em minha cidade natal, Santana do Ipanema. São eles os contadores de casos e causos, com a presença do pitoresco, do folclórico, do engraçado, do fato bem-humorado, tentando, desse modo, aliviar o estresse do nosso tempo, as angústias, as inquietações.
Disse o genial Charles Chaplin (1889-1977): “O dia mais desperdiçado na vida é o dia em que não rimos.” E completou Sigmund Freud (1856-1939), psicanalista austríaco: “O humor é um dom precioso e raro.”
Conheci o colega Jason Calheiros Pinto lotado na agência do Banco do Brasil em Palmeira dos Índios, Alagoas, lá pelos anos de 1961 e 1962, mais ou menos. Entre minha agência e a dele existia uma relação institucional muito estreita, porque uma era supridora de numerário da outra. Os colegas das duas agências quase que se comunicavam semanalmente. Jason era muito querido no seu ambiente de trabalho e em sua cidade. Eram de sua autoria os monumentais trotes aplicados em colegas novatos.
Casado, exemplar pai de família. Nunca deixou de ser um gozador, um brincalhão incorrigível.
Anos mais tarde, transferiu-se para Recife, onde ficou lotado no setor de Câmbio e Cacex, porque sabia inglês, francês, espanhol, latim, além de especialista em língua portuguesa. “Ele sabe colocar a vírgula no devido lugar”, dizia-me Dr. José Maria de Melo, então presidente da Academia Alagoana de Letras.
No Recife, continuou a aplicar trotes em colegas conhecidos por bravatas funcionais e em lingüística, notadamente no referente à gramática ou ao uso de diferentes línguas. Não deixou de aplicar rumoroso trote em um deles, que tentara desmerecer o orgulho alagoano. O colega escolhido, coitado, acabou por receber pelo correio carta de um remetente de Madrid ou de Salamanca, chamado Juan Manzana, solicitando-lhe, desesperadamente, que adquirisse exemplar de uma das obras de Pontes de Miranda, famoso jurista de Alagoas e mundialmente conhecido. O exemplar serviria, salvo engano, para concluir tese de doutorado. Escrita em espanhol clássico, a carta era falsa, como falso era o nome do missivista. Perguntei a Jason como ele havia chegado ao sobrenome Manzana. Resposta: “Copiei de uma caixa de maçã argentina, de um vendedor na calçada do banco.”
Jason era graduado em Ciências Sociais e Jurídicas. Escrevia com acerto e desenvoltura. Ensinava português a colegas e amigos. Estudioso, conhecia regras e filigranas do nosso idioma.
Reencontrei-o em Maceió, lotado na agência centro, para onde eu fora transferido para exercer cargo em comissão. Reatamos a antiga amizade, que durou até sua morte, que ocorreu muito tempo depois de aposentado. No ano de 2000, por exemplo, deu-me ele a honra de prefaciar meu livro intitulado Chuviscos de Prata (crônicas).
Trabalhando no mesmo andar que o meu, um dia chegou ele ao meu gabinete, dizendo-se “bostado”. Assustado, perguntei-lhe: “Aconteceu algo lá no banheiro?”
Respondeu-me, gozando da minha cara: “Não, chefe. Hoje estou mal-humorado!”
Ah, sim...
Maceió, outubro de 2017.
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