Machado de Assis dizia que a primeira condição do escritor é não aborrecer os leitores. No Kopenhagen, café de esquina de minha preferência, um amigo que encontrei por acaso me questionou sobre as crônicas:
— Desistiu?
— Férias — respondi.
— Quando elas acabarem, vê se escreve mais sobre coisas alheias e deixa um pouquinho a política de lado.
As crônicas semanais precisam de causos e, às vezes, eles não acontecem. Já a nossa política? O regime não nos deixa em paz. Sobra assunto e falta tempo. Sorri amarelo para disfarçar a angústia e segui meu destino.
Sentei-me distante e pedi o de sempre. Sempre peço o de sempre para evitar surpresas desagradáveis. Conferi as demandas na moderna caverna de Platão apoiada na palma da mão e aguardei, olhando para o nada, o pingado. Ele veio rápido e fumegante. O preço já não era o mesmo da semana passada.
A econômica água com gás desce primeiro. Foi uma das boas lições que aprendi no curso de barista. Segundo os professores, ela tira as impurezas da boca para que sintamos o aroma do café com mais fidelidade. Acho que funciona, embora não me lembre do dia em que bebi café apreciando seu sabor. Ele acentua meus espasmos esofágicos, e já o deleito com uma preocupação antecipada. Mas, quem disse que viemos a este mundo só para as bonanças? Já dizia o introspectivo Monsenhor Delorizano em suas missas dominicais.
Após o café, distraí-me com os clientes e, entre um atendimento e outro pelo celular, conferi as notícias mais urgentes do dia. Inflação nas alturas, juros idem, custo de vida, o medo de morrer num assalto, o real perdendo valor, estatais dando prejuízos milionários, uma crise constitucional sem precedentes e a Defesa Civil no sertão iniciando a Operação Carro-Pipa.
A primeira vez que ouvi a palavra “carro-pipa” devia ter uns 10 anos de idade. Governos estaduais e municipais, além do próprio Exército, realizavam operações emergenciais para mitigar os efeitos das secas no Nordeste desde a década de 1950. A quem interessa conservar a indústria da seca? Essa novela deliberada pode dar uma boa crônica? O título? “Estamos sempre correndo atrás do próprio rabo”.
O ano acabou e o Fogão é o campeão da América! Mas já estamos em abril. No final do Alagoano, torci, como bom azulino, contra o CRB, mas o ASA de Arapiraca não conseguiu conter o segundo maior de Alagoas. A Seleção Brasileira foi corrompida de dentro para fora. Minaram o espírito aguerrido da Seleção Canarinho. O futebol vibrante e viril de outrora deu lugar a uma geração de jogadores chatos, apáticos e sem alma competitiva.
O futebol ainda nos presenteia com bons causos, porém, falar dos vizinhos não dá mais. Contar piadas pode dar processo. O mundo está sensível. E apontar democraticamente os erros do regime? Desde quando a crítica virou crime? Pensando bem, é melhor seguir o conselho do amigo. Na hora da conta ele perguntou: — Ainda estais aqui: — Sim, eu respondi. Ainda estou aqui. E sai pela sombra, lembrando da Fernanda, a Torres.
CONSELHO
CrônicasJeno Oliveira 14/04/2025 - 09h 19min

Comentários