MAGIA

Crônicas

Por Jeno OLiveira

O que se pode esperar de um sábado nublado em um final de outono? Com cheiro de pólvora, estalo bebé, traque e vontade de remexer tenuemente a cintura em um forró com sanfona, zabumba e triangulo. Logo me vem a mente sem nenhuma pretensão: o Pai não O seria sem o Filho; da mesma forma, o Filho não pode ser pensado sozinho, mas sempre como o Filho do Pai. E o Espírito Santo, por sua vez, é o Espírito do Pai e do Filho. Dessa forma, a Trindade nos ensina que nunca se pode ficar sem o outro. Bem assim é com o trio do forro; sem intruso e sem enfeite, aí é que ele fica do jeito que tem que ser: redondinho, enxuto e como manda a tradição, que por falar nela – a tradição – lembrou esses dias que também sou filho de Deus.

Não é toda criatura viva que recebe a benção de trabalhar em um sábado até as quatro da tarde, gozando de pernas saudáveis para andar, olhos para ver, ouvidos para ouvir e uma boca para falar aquilo que for necessário e, quando em vez, aquilo que também não for. O ofício de vender imoveis tem lá seus encantos, além do que exige muito menos da gente do que o ofício de escrever, já que, este último, ao menos no meu caso, envolve sentimento, clareza, coerência e precisão. Além disso, requer atenção às regras gramaticais e estilísticas apropriadas ao contexto, levando-se em conta o vocabulário, as nuances e as difíceis e complicadas regras de nossa língua lusitana.

No Bairro em que praticamente nasci, retornei dos compromissos faltando cinquenta minutos para o início do jogo. Liguei para o Samuca, amigo de infância e vizinho de frente e de sempre, já que a casa dos pais nunca deixa de ser dos filhos: - Bora? – Cinco minutos pode ir para a porta. Coloquei uma bermuda no lugar da calca, uma camisa preta de algodão e o tênis novinho em folha que herdei do afilhado de 12 anos, que muda de pisante a cada 15 dias – diz a avó que a culpa é do pão com formol e o frango com excesso de hormônio que se come atualmente. No caminho até o lendário estádio de futebol Rei Pelé – mais conhecido pela alcunha de Trapichão – ainda apanhamos o Rodrigo e o Guilherme, ambos Acioli; o primeiro irmão do Samuca e também amigo de infância, e o segundo sobrinho de ambos, filho do Breno, o caçula de três irmãos – outra trindade. Quando o adolescente Guilherme entrou na parte traseira do carro, notei que suas pernas não cabiam e logo cedi gentilmente o meu lugar. Deve ser culpa do pão e do frango, pensei.

Atravessamos a Orla da Ponta Verde, adentramos na azul Pajuçara, fizemos a curva na Praça do Coreto, no início da Praia da Avenida, e seguimos atualizando as novidades até o antigo e tradicional Bairro do Trapiche – onde de fato nasci, na Rua Capitão Cantuária, Vila Militar. E o elenco? – Hoje estreiam 9. Nosso CSA, que a pouquíssimo tempo estava na elite do concorrido futebol brasileiro, amargura a deprimente luta para permanecer na série C, provavelmente.

Do carro estacionado até a arquibancada tem a tentação do cheiro do espetinho de gato, a ginga na poça de água, o comentário desavisado, o cambista adiantado, a cena inusitada e a esperança da vitória no olhar de cada torcedor desacreditado. A fila agoniada, a roleta burocrática, a rampa, a revista do policial carrancudo, a alegria de ver o campo, o vento no rosto e, finalmente, um lugarzinho ao céu para assistir ao espetáculo. De preferência - longe do barulho da torcida organizada, que nem de jogo seus integrantes gostam. O passe, o drible, a matada, a enfiada, a triangulação, o gol. O futebol é de longe o esporte mais lindo do mundo. Apreciá-lo no estádio e na companhia de amigos de infância, ai já é um milagre de Deus.

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