CADÊ MEU BLOCO?

Crônicas

Por Silvio Nascimento Mélo

O som da orquestra não sai da minha cabeça. Parece que ainda estou ouvindo a marchinha “Bloco da Solidão”, que o meu bloco inicia o Carnaval no sábado de Zé Pereira e só encerra a folia nas primeiras horas da manhã da Quarta-feira de Cinzas. É uma tradição do bloco. Sempre foi assim.

“Angústia, solidão
Um triste adeus em cada mão
Lá vai meu bloco,
Só desse jeito é que ele sai”

O sono ressacado não me deixa raciocinar se estamos na terça-feira ou se já chegou a quarta-feira de Cinzas.

“Na frente sigo eu,
Levo o estandarte de um amor,
O amor que se perdeu no carnaval”.

Não brinquei ao som da “Orquestra Teimosa” do maestro Miguel Bulhões nas prévias carnavalescas das maratonas da praça Enéas Araujo, não brinquei.
Não fui de bar em bar com meus amigos no sábado de Zé Pereira. Não fui nas toldas da feira, não fui ao Bar de Erasmo, ao Bar da Toca do Pato, ao Bar do Mário, ao Bar do Mundo Errado, não fui.

“Lá vai meu bloco vai,
Lá vou eu também,
Mais uma vez sem ter ninguém,
No Sábado, Domingo, Segunda e Terça-feira “

Não saí no meu bloco, de rua em rua, de casa em casa daqueles que nos convidaram. Todo dia, da manhã até o entardecer do domingo, segunda e terça-feira, não saí.
Não vi o mela-mela e não vi o Bloco dos Caretas, o Bloco do Pau D’Arco, o Bloco das Quengas, o Bloco do Brasilgás, Bloco dos Cangaceiros, Bloco dos Piratas, Bloco dos Magnatas, Blocos das Tabacudas e o Bloco da Mundiça. Não vi o Bloco do Sapo e o Bloco do Pastoril, não vi.

“E quarta-feira vem
O ano inteiro é todo assim,
Por isso quando eu passar,
Batam palmas para mim”

E não ri com as máscaras do Aderval Papafigo, com os personagens e performances do Reginaldo Falcão, com as músicas carnavalescas do Remi Bastos, não ri.
Não assisti à chegada de todos os blocos à praça da Bandeira, no finalzinho da tarde da terça-feira para, extasiados, aplaudirmos o encontro da Escola de Samba Unidos do Monumento, tendo à frente a cadencia do Joãozinho de Zé V-8, com a Escola de Samba Juventude do Ritmo sob a batuta ritmada do mestre Tamanquinho, não assisti.

“Aplaudam quem sorrir,
Trazendo lágrimas no olhar”

Não fui ao Tênis Clube Santanense, todas as noites, do sábado à terça-feira, beber e cantar, sem entender até hoje porque todos nós dançávamos, sem parar, circulando o salão, extravasando ao ouvir o frevo “Vassourinha” como se fosse a última música sempre, não fui.
“Merece uma homenagem,
Quem tem forças para cantar”

Não acompanhei a orquestra no amanhecer da quarta-feira, do Tênis Clube à praça Éneas Araújo, descendo a ladeira da rua Coronel Lucena, num único bloco só de foliões saudosos e chorosos, cantando e se emocionando com a música “Santana dos Meus Amores” do poeta cantante Remi Bastos, não acompanhei.

“Tão grande é a minha dor,
Pede passagem quando sai”

Não sofri a dor do amanhecer da quarta-feira de Cinzas, como se fosse a última de um folião apaixonado, não sofri.
A boca amarga, o coração apertado, a dor de cabeça, ainda bêbado nesse ano maluco de uma pandemia louca sem Carnaval, me pergunto: cadê o meu bloco? Sonhei?

“Comigo só,
Lá vai meu bloco, vai...”

Maceió, domingo, em 14 de fevereiro de 2021.

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