Por que nas últimas décadas do século passado falavam tanto sobre o fim de tanta coisa, como, por exemplo, o fim da História, o fim das ideologias, o fim das religiões, o fim do emprego e até o fim do mundo? Certamente porque o simbolismo da entrada do novo milênio era bastante apropriado para se estabelecer o início de uma "nova era".
Mas... a quem interessa um "novo mundo" a partir de uma virtual hecatombe global da esperança? Quem quer mesmo o aniquilamento de práticas religiosas que sejam realmente evangelizadoras? Quais os interesses de quem decreta o fracasso de experiências sociais que, na verdade, vêm mesmo é gradativamente se aperfeiçoando? Que "novideologia" é essa que nega a autenticidade de conceitos ideológicos formulados através do debate filosófico ao longo dos séculos?
Provavelmente tudo isso interessa a quem manipula os fatos, distorcendo a verdade, a fim de manter o domínio sobre os destinos da Humanidade. E como fazê-lo? Certamente os mais eficientes instrumentos são as mídias de massa (mass media).
Organizações oligopolizadas controlam as tecnologias mais populares, manipulam a informação criando para o seu público ilusórias visões da realidade; massificam o pensamento único em função do individualismo: o perigo mora ao lado, o inferno são os outros, dormindo com o inimigo, salve-se quem puder; primeiro eu, depois eu, em seguida eu... Não é propriamente o egoísmo sendo revelado como sentimento dominante na natureza humana, mas, sim, o terror obrigando o indivíduo a manifestá-lo com maior intensidade que os sentimentos nobres, que, por sua vez, passam a ser considerados atitudes ingênuas, próprias dos fracos.
Nessa inversão de valores, existem aqueles que, em raras ocasiões, praticam o altruísmo, a abnegação, o desapego, a renúncia, o sacrifício voluntário... mas tratam de justificar suas atitudes, como se estivessem se desculpando por terem cometido deslizes: "Não me segurei, aquilo amoleceu meu coração!", "Nem sei por que estou lhe dando uma segunda chance...", "Pegue logo, antes que eu me arrependa!", "Perdoo, mas não esqueço!" (querendo dizer que a mágoa permanece latente).
Emancipação do indivíduo e terceirização de mão de obra e serviços
Em pleno século XXI, o capitalismo autofágico está realizando um velho sonho, um paradoxo sonhado durante todo o século XX: fazer surgir uma "nova era" nos moldes em que a humanidade viveu quando não existia o capitalismo, menos ainda o socialismo, este que é o seu "sossega leão".
Nos primeiros momentos da popularização da rede mundial de computadores, a Web, que tem como base a Internet, muito se falava (e ainda se insiste em afirmar) que o emprego formal estaria em extinção, que a tendência seria o empreendedorismo, a implementação de projetos individuais de geração de renda por produtividade, comissão, contrato temporário, consultoria, freelancer etc.; o autoemprego, o indivíduo como agente do seu próprio negócio, autônomo, profissional liberal, nas mais diversas atividades, desde engenheiros e técnicos a torneiros mecânicos, pintores, polidores e tantos outros menos qualificados. Tudo isso baseado no avanço das novas tecnologias da informática e robotização das linhas de produção.
Viver sem patrão, sem a monótona rotina de trabalho sob autoritárias chefias, também sem o caos estressante dos congestionamentos de trânsito ou as filas e superlotação dos transportes coletivos, talvez seja isso que chamam de "emancipação do indivíduo"; entretanto, já podemos observar que essa promessa não passa de um "salve-se quem puder".
Uberizado, esse é o neologismo que identifica o trabalhador sem direitos trabalhistas, falsamente chamado de "empreendedor".
Espiões, a fama pela incompetência
No final dos anos 1980 eu trabalhava para uma indústria do setor químico, produtora de revestimento anticorrosivo (tintas industriais). Participei de um encontro de funcionários da empresa em um hotel em Águas de Londóia, interior do Estado de São Paulo. Em determinado momento, conversando com um jovem técnico que atuava no departamento de pesquisa e desenvolvimento de produtos, ele me perguntou: "Por que hoje não surgem mais inventores como antigamente?" ‒ citou alguns exemplos de inventos e inventores consagrados tempos atrás, os quais ele conhecia apenas através da história.
Naquele exato momento não tive resposta satisfatória, e, como sempre me aconteceu em outras ocasiões, aquilo ficou me incomodando, passei a ser mais um entre milhões de pessoas que devem estar fazendo essa pergunta.
A partir daquele questionamento, comecei a observar que megaempresas dos setores eletroeletrônico e automotivo fazem pré-lançamento de seus novos produtos através de matérias jornalísticas (merchandising), anunciando aperfeiçoamentos tecnológicos, descobertas e inventos, mas sempre atribuindo o mérito das criações aos seus laboratórios de pesquisa, ou ao seu quadro de engenharia, nunca destacando possíveis responsáveis diretos pela criação de novos engenhos.
Nos últimos tempos, somente os criadores de alguns produtos de Tecnologia da Informática tiveram seus nomes consagrados como autores dos inventos: Henry Edward Roberts, criador do primeiro microcomputador (PC), Tim Berners-Lee, criador da internet, Mark Zuckerberg, criador do Facebook (junto com alguns colegas menos expressivos), entre outros inventores na área de TI.
Lembrei-me de alguns agentes de espionagem, aqueles que se tornaram famosos enquanto ainda atuavam, os espiões que entraram numa fria, pois, na vida real, espião que vira celebridade demonstra, ao contrário de inventores, incompetência profissional.
Mata Hari (Margaretha Gertruida Zelle): Contratada pelos alemães durante a Primeira Guerra Mundial, foi capturada pelo inimigo e trabalhou como agente duplo, encerrando sua carreira em frente a um pelotão de fuzilamento.
Harold Worden: EUA, espionagem industrial, trabalhou durante 30 anos para Kodak, aposentou-se e criou uma firma de consultoria, empresa de fachada, que na verdade servia apenas para vender informações sobre processos industriais da Kodak. Detido e processado, não se pôde comprovar sua atuação como espião, mas, em 1997, foi julgado e condenado por outros delitos.
Julius e Ethel Rosenberg: EUA, atuaram em período da Guerra Fria (pós-Segunda Guerra Mundial), forneceram aos russos (à União Soviética) segredos militares, informações sobre armas nucleares. Foram presos em 1950 e executados na cadeira elétrica em 1953. ["O McCarthyismo não passou de fascismo em embrião, embora, com a execução do casal Rosenberg, já estivéssemos desgraçadamente próximos do fascismo." (Norman Pollack, Counterpunch, em "EUA: interpenetração business - estado, capital monopolista e industrialismo avançado")]
Espião competente termina sua carreira, aposenta-se e curte o resto da vida em ilha paradisíaca, anônimo.
A CIA nas universidades dos EUA
Agentes e subagentes de espionagem sempre puderam ser encontrados em qualquer latitude (elementos estrangeiros titulares de cargos em suas agências, ou terceirizados, subcontratados, como ocorre hoje em dia) e sempre contaram com ajuda de informantes remunerados à base de propina.
"Hitler Ganhou a Guerra ‒ Walter Graziano"
Não só os meios de comunicação têm sido "presa fácil", já há muito tempo, da CIA, a agência de inteligência semi-secreta norte-americana. Em um megasite da internet (www.cia-on-campus.org) podemos encontrar informações reveladoras em um artigo de David Gibbs intitulado "Academics and spies".
(...)
No mesmo trabalho, indica-se que a universidade norte-americana que constitui a principal base de recrutamento de alunos estrangeiros — para que no retorno aos seus países trabalhem como agentes da CIA — é nada menos que a Universidade de Harvard. Agora pode ser que alguns pontos sobre o grau de penetração que a política e a propaganda do CFR realizaram no mundo fiquem mais claros.
(...)
Por volta do início dos anos 1950, o programa tinha-se expandido para incluir o recrutamento de estudantes estrangeiros em universidades norte-americanas, a fim de servirem como agentes da CIA quando retornassem aos seus respectivos países. O recrutamento de estudantes estrangeiros tinha as suas raízes em programas anteriores do fim dos anos 1930 e 1940, quando estudantes de países amigos eram admitidos nas academias militares norte-americanas. Os seus serviços eram especialmente desejados pelos Estados Unidos, já que, quando retornassem aos seus países, fariam parte da elite militar das suas respectivas nações. Através deles, os Estados Unidos esperavam influenciar a marcha dos acontecimentos nesses países e ter acesso a informações dos trabalhos secretos dos seus respectivos governos.
(...)
Quantos funcionários públicos europeus, latino-americanos, asiáticos e africanos estudaram em Harvard? Cabe mencionar que as duas universidades norte-americanas que mais fundos manejam são, não por acaso: primeiro, a Universidade de Harvard, principal sócia universitária da CIA; e, segundo, a Universidade de Yale, instituição dos Bush, dos Harriman, dos Rockefeller e da aristocracia norte-americana que dirige a agência.
Mas as atividades da CIA no mundo universitário e da cultura não se limitaram à infiltração em universidades em todos os seus níveis. Frances Stonor Saunders, em Cultural Coldwar, mostra como, depois da Segunda Guerra Mundial, a CIA conseguiu infiltrar-se em praticamente todos os espaços da cultura. Muitas vezes isso era feito mediante fundações "filantrópicas" e congressos.
Leia mais: Hitler Ganhou a Guerra - Walter Graziano
Frances Stonor Saunders — nascida em 1966, historiadora e jornalista britânica — é autora do livro intitulado "Quem Pagou a Conta? A CIA na guerra fria da cultura" (no original: Who Paid the Piper?: CIA and the Cultural Cold War). Sobre o Brasil, o livro pergunta e ao mesmo tempo responde: Quem "pagava a conta" era a CIA, a mesma fonte que financiou a dominação cultural e ideológica do Brasil.
(*)Fernando Soares Campos é escritor, autor de "Saudades do Apocalipse ̶ 8 contos e um esquete", CBJE, Câmara Brasileira de Jovens Escritores, Rio de Janeiro, 2003; e "Fronteiras da Realidade ̶ contos para meditar e rir... ou chorar", Chiado Editora, Portugal, 2018.
Comentários