Nos primeiros dias do golpe militar de 1964 eram visíveis as mudanças na rotina do quartel da 2ª Cia. de Guardas, centro das atenções do IV Exército e do Comando Revolucionário.
O Coronel Ibiapina, do Estado Maior, se aboletou, ocupando a sala de aula do 1° andar com máquinas de escrever, dois capitães, três sargentos auxiliares, instalaram a Central de Inquérito Policial Militar (IPM).
A tropa permanecia de prontidão para qualquer eventualidade, meu pelotão ainda foi acionado para algumas patrulhas fortuitas na cidade, pequenas missões. Não houve a resistência esperada, temida, a Revolução estava consolidada.
Pela manhã do dia 2 de abril recebi uma pequena missão, fechar a "Associação Brasil - União Soviética" instalada em um edifício no Centro de Recife. Eram apenas duas salas conjugadas, a secretária atendeu apavorada, um sargento e dois soldados me acompanharam. Informei-lhe, por ordem superior estava fechando a Associação para investigações. As estantes estavam abarrotadas de material de cultura de primeira linha, entre livros e discos. Folheei algumas propagandas soviéticas, um vasto e bem impresso material. Mandei fechar e lacrar os armários e birôs.
Antes de sair, levei um dos discos de distribuição, uma linda capa, paisagem típica dos campos russos, uma das mais bonitas músicas populares do planeta dava nome ao disco: “Noites Moscovitas”.
À noite, no meu quarto, escrevi uma dedicatória na capa: “Ao Lima, com o carinho e a admiração do Kruschev. Moscou, 2 de abril de 1964”. Essa brincadeira me trouxe problema, não pela usurpação, certo dia um colega tenente referiu-se ao disco como mostra de minha simpatia ao regime soviético. Pena ter perdido a preciosidade. A belíssima música “Noites Moscovitas” me toca, além de bonita é de uma sensualidade extraordinária.
A partir daí foram poucas as missões externas, a 2ª Companhia de Guardas transformou-se em quartel de carceragem, cada dia chegavam mais presos. Por sua estrutura de segurança, por ser um ponto perto do QG do IV Exército, ficou como cárcere dos presos mais famosos, mais "perigosos".
Nos outros quartéis, nas delegacias de polícia, as prisões se apinhavam de presos políticos. Antes do 1° de abril já se tinha relação preparada dos principais e prováveis candidatos aos cárceres, inclusive endereços e possíveis locais de fuga. A caça aos comunistas foi de uma precisão extraordinária. Todos sabiam quem seria preso, a lista extrapolou. Foi a crônica da prisão anunciada.
Os coronéis conspiradores já tinham um plano estratégico político e militar de execução, nada foi improvisado. Não foi preciso burocracia, nem insistência quando solicitaram aos usineiros caminhões, carros e jagunços para ajudarem nas investigações e prisões. Já estava preparado e previsto, com grande alegria e satisfação usineiros e canavieiros prestaram esse favor ao movimento revolucionário.
As prisões dos quartéis do Exército, Marinha e Aeronáutica, as delegacias, a Secretaria de Segurança, estavam lotadas, juntando, sem preconceitos, os presos políticos num mesmo cubículo: deputado, camponês, juiz, fotógrafo, promotor de justiça, prostituta, advogada, líder sindical, estudante, líderes das ligas camponesas, funcionários, auxiliares mais próximos do governador Miguel Arraes e do prefeito Pelópidas da Silveira, nessa altura feitos prisioneiros.
Viaturas militares e civis rasgavam, vasculhavam para cima e para baixo não só a cidade de Recife, como também todo o Estado de Pernambuco e o Nordeste brasileiro. A ordem era trazer os suspeitos, pegá-los seja onde for, no escritório, em casa, na cama, no bar, na rua. Não havia dia nem hora, muitos foram tirados de suas casas nas madrugadas, na calada da noite.
"Trecho do livro CONFISSÕES DE UM CAPITÃO" , a ser lançado em segunda edição e edição em Espanhol na VI Bienal do Livro de Alagoas, dia 1º novembro no estande da BRASKEM."
Comando de Caça aos Comunistas
Crônicaspor Carlito LIma 05/10/2013 - 11h 54min

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